segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Poesia no apartamento

Tem gente que antipatiza com a tal da Crítica Genética - ramo da teoria da literatura que analisa as influências da biografia do autor em sua obra. Eu, ao contrário, simpatizo.

Especialmente no caso do "Poema no Apê". Eu recém me mudara de Santa Maria/RS para Porto Alegre/RS, da cidade do interior para a capital; recém abandonara a casa dos pais para morar sozinho numa kitnet, quando, em 2007/2008, escrevi estes versos:

I

Que linda a louça na pia,

limpinha!

Até parece que se lavou sozinha...


Até hoje não recebi o devido (ou indevido) reconhecimento poético, mas sei que aos 97 anos de idade ainda abrirei um sorriso no rosto ao ler esse poema. A mim parecerá até obra de outra pessoa: e continuará assim cheio de poesia e significado. Mesmo que caia no esquecimento, eu dele lembrarei. Como lembrei no sábado à noite. Poesia da realidade.

II

Que pena da roupa no varal

o vendaval a secaria

mas em vez da calmaria

veio novo temporal

Diário de bordo, parte 1: a pauta

Dou início hoje a uma série de postagens com relatos e reflexões a respeito do processo de produção da reportagem em quadrinhos "Juventude: tempo de crescer". Como Jornalismo em Quadrinhos é um gênero novo, que carece de estudos e práticas, acredito que minha experiência na área pode contribuir, nem que seja para gerar discussões.

Se surgir alguma dúvida ou questão que eu não previ, por favor, não hesite em escrever, via comentário.

Hoje vou falar sobre:

A pauta

fazia um tempo que eu azucrinava o editor da Continuum, revista bimensal sobre arte e cultura do Itaú Cultural, para que me deixasse fazer uma reportagem em quadrinhos. Você sabe, Jornalismo em Quadrinhos é algo muito novo, muita gente não sabe nem o que é (até mesmo quadrinistas e jornalistas têm dificuldade de definir o tema com precisão). Meu trabalho final na faculdade de jornalismo, que concluí em 2007, na UFSM, foi sobre Jornalismo em Quadrinhos. Desde então, eu vinha fazendo reportagens em prosa para a Continuum, e volta e meia eu trocava emails falando sobre meu interesse no quadrinho de caráter jornalístico. Pois bem, no ano passado eu e o Marco Aurélio Fiochi, um dos editores da revista, chegamos a falar a sério sobre a possibilidade de eu fazer uma reportagem em quadrinhos. Não fomos adiante, por questões técnicas.

No entanto, aquela conversa foi uma semente que eu esqueci que havia plantado. Eis que, no dia 25 de maio de 2010, para minha surpresa, recebi este email da Mariana Lacerda Gonçalves, coeditora da revista:

"Oi, Augusto, como está??? Bom, o Marco me falou que você tem uma ideia de fazer uma reportagem em formato de HQ. Nós gostamos muito da ideia e achamos que ela pode se encaixar na próxima edição, sobre futebol. A ideia central da pauta seria acompanhar dois ou três dias de treinos de uma equipe que caiu, que foi da primeira divisão e que hoje está na terceira, quarta divisão (será que em Porto Alegre existe alguma??). A narrativa dessa reportagem estaria contada via quadrinhos."

Ao ler o email, aumentou a quantidade de adrenalina no meu sangue. Explico por quê. Eu sempre defendi, observando as reportagens em quadrinhos que estavam sendo publicadas, que existem pautas adequadas ou não ao formato de quadrinhos. Isto é: existe a pauta boa para TV, a pauta de rádio, a pauta de impresso, todo estudante de jornalismo sabe disso. Ou, no caso de ser a mesma pauta, no mínimo a abordagem muda em função do meio em que a história será contada. que se estudar, então, os aspectos da linguagem dos quadrinhos que permitam delinear em que sentido uma pauta pode ser boa ou não para esse formato.

Isso não é mera divagação. Entre as autodenominadas reportagens em quadrinhos que vi publicadas, muitas me pareceram meras reportagens ilustradas (ou seja, aspectos como fluência e harmonia entre texto e imagem, importantes nos quadrinhos, não foram cuidados). Outras eram uma simples adaptação de reportagens feitas originalmente para outro formato, o que acusa uma visão rasa de jornalismo em quadrinhos: apenas uma forma de amenizar temas complicados (e não de aprofundar, que é como eu vejo). Muitas outras reportagens eram até bem intencionadas, tinham um conteúdo sério, pensado originalmente para quadrinhos, mas não havia o cuidado com a linguagem: o texto não pode ser excessivo, e o desenho tem que veicular informações e estar apegado à realidade tanto quanto o texto (senão, não é jornalismo).

Pensamentos como esse sempre me surgiam ao ver um novo trabalho sendo publicado, e me pareceu que uma reportagem em quadrinhos sobre um clube de futebol seria uma oportunidade perfeita para -los em prática - ou, devido à natural distância entre pensamento e ação, pelo menos testá-los. Em primeiro lugar, porque tem o aspecto visual do futebol, com muitas nuances e possibilidades de ser explorado na narrativa em quadrinhos. Também a expressividade dos desenhos, ótima para pôr no papel as emoções ligadas ao futebol. E, por se contar um tema pouco festivo - a derrocada de um time - abriu-se a chance de fazer uma reportagem humanizada, cuja linguagem dos quadrinhos contribuísse para a eficácia do trabalho jornalístico.

No email que respondi à Mariana, sugeri o Esporte Clube Juventude como case para a pauta. O Ju, como também é chamado, foi campeão da Copa do Brasil e disputou a série A do Brasileirão durante 13 anos, então é bastante conhecido no país inteiro. E vem passando momentos difíceis: no ano passado, foi rebaixado para a série C. Sem falar que o clube fica em Caxias do Sul, cidade localizada a 120 km de Porto Alegre, o que facilitava o deslocamento.

Fechamos a pauta. Próximo passo: achar o(a) desenhista. Indiquei como primeira opção a Ana Luiza Goulart Koehler, porque conheço e admiro o trabalho dela um bom tempo. O Itaú Cultural entrou em contato com ela; email vai, email vem, eles fecharam. Ficou definido ainda que os quadrinhos seriam em preto-e-branco, devido aos prazos (o dead-line para a reportagem finalizada era dia 1º de julho, e uma reportagem colorida demanda muito mais tempo). Também acertamos que seria uma história de 6 páginas

A partir daí, precisei organizar alguns tópicos sobre a forma de abordagem da pauta. Os meus objetivos passaram a ser:

1) contar a história do Esporte Clube Juventude

2) descobrir, dentro do possível, os motivos que levaram ao duplo rebaixamento do clube

3) relatar como é o astral do clube hoje, tendo em vista os recentes insucessos (parece óbvio que eu não encontraria um bom clima, mas, como vou comentar em outro post, deparei-me justamente com o contrário)

4) organizar todo o conteúdo decorrente da apuração de uma forma adequada à linguagem dos quadrinhos, justificando a escolha desse formato

5) dar um tratamento humanizado à pauta, ou seja, nada de exploração de tragédias alheias nem de otimismo do tipo "pra frente, Juventude!" - o que eu tinha em mãos era a possibilidade de contar uma boa história de sucessos e fracassos, coisa que diz respeito a todos os seres humanos.

Organizada a pauta, arregacei as mangas e comecei a apuração.

Mas isso é assunto para outro post.

(Continua.)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

"Juventude: tempo de crescer"

(Este post está sendo publicado simultaneamente aqui e no cabruuum.)

Acaba de ir ao ar, no site da revista Continuum, do Itaú Cultural, a reportagem em quadrinhos "Juventude: tempo de crescer", que fiz com a desenhista Ana Koehler. Veja nosso trabalho, cutucando aqui.

Em breve escrevo um post especial comentado sobre o processo de produção da reportagem no formato de quadrinhos, algo muito novo e, por isso mesmo, especial.