sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Um dia bonito na Alemanha

No domingo retrasado acordei relativamente cedo para a manhã que sucede uma festa: 11 horas. Duas pessoas estavam montando a cozinha nova, de modo que a sala (tudo fica numa peça só) estava impossível de transitar. Eu decidi dar uma mão e pintar o teto do corredor em frente ao meu quarto, pois na segunda-feira viria um profissional pôr papel de parede, e o teto tinha de estar pronto. Aproveitei e dei uma demão de tinta no banheiro também. As crianças, enquanto isso, olhavam tevê na sala de espera do consultório dentro de casas de papelão construídas por eles mesmos com as sobras da cozinha nova.

Assim se passaram algumas horas. Depois, quando eu já não tinha mais nada para pintar, as crianças estavam de saco cheio de ver filme e a sala continuava intransitável, fui passear com os meninos. A idéia era jogar bola num campo aqui perto. O dia estava realmente perfeito para isso. Foi uma decisão correta levar a tiracolo minha máquina fotográfica, pois as fotos ficaram muito bonitas.



No fim do dia, as crianças ainda tinham energia para fazer biscoitos e estrear a cozinha nova. Confortavelmente sem camisa, já que a casa tem calefação.

Laura, Betinho e Augusto em processo de alemanização

Eu e o Betinho voltamos juntos de Paris tal qual Joquim, o inventor incompreendido da música homônima do Vítor Ramil: estávamos morrendo de frio. Mas foto na neve é algo que não tem preço. Quem vê não imagina que estamos tremendo de corpo inteiro, apenas acha chique. Então no primeiro dia em Meppen, norte da Alemanha, já providenciamos as nossas. O lago chegou a congelar.





Nesse dia e nos próximos, eu e o Betinho ajudamos com a última parte da mudança da casa da família com quem estou morando. Ele conheceu o Saboor e o Benedito, os piás que cuido.



Depois, na quarta-feira véspera de Ano Novo, chegou a Laura.


De modo que passamos alguns dias assim, com três brasileiros na casa. A Laura estudando alemão, o Betinho sem saber uma palavra mas aprendendo com as crianças.
Sábado a Laura foi embora. Hoje foi a vez do Betinho. Agora, para rimar, estou de novo sozinho.

Quando Jesus andou sobre as águas, o fez no inverno alemão!


Num dia bonito aqui (coisa rara nessa época do ano), o pessoal costuma ir para o lago congelado sapiar, aproveitando as poucas horas de sol. Veja fotos de como foi hoje, por exemplo.





Agora vídeos:










No segundo vídeo, Iládio explica que prefere ficar na Alemanha durante o verão, e no Brasil durante o inverno (porque aí é verão agora).

É isso. Hoje foi o único dia que não fiquei com inveja de vocês, que estão no Brasil pegando praia... Eu passei me sentindo Jesus, caminhando sobre o lago!

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Susi & Vlad 2: a origem de Vlad

Na postagem anterior, divulguei aqui a reportagem Susi & Vlad, sobre a bióloga Susi Pacheco e sua paixão por morcegos. O texto integral foi publicado na edição 61 da revista Brasileiros. Como prometido, divulgo aqui um material extra que não está lá. Trata-se de um texto incrível, escrito por Tatiana Prevedello, estudante de Letras que, curiosamente, passou muito tempo estudando literatura gótica. Prevedello foi a pessoa que encontrou o morcego Vlad na rua e, com uma atenção bastante inusitada em situações como essa, entregou-o à Susi.

Considero esse texto a parte 1 do relato sobre a Susi e o Vlad. A parte 2 é a reportagem que eu escrevi. Dito de outra forma: minha reportagem é O Senhor dos Anéis, o relato de Prevedello é O hobbit. Assim, quando terminar de ler o texto abaixo, recomendo seguir adiante na reportagem. Ou fazer na ordem contrária.

***


"Relato sobre o encontro do morcego Vlad e localização da bióloga Susi Pacheco
  
por Tatiana Prevedello

No dia 12 de dezembro de 2011, segunda-feira, em torno de 07h45min, estava a caminho do trabalho quando me deparei com algo na calçada, em decúbito dorsal, a se agitar de uma maneira agonizante. Imaginei, no primeiro momento, que se tratava de um filhote de pássaro caído do ninho, pois na noite anterior havia ventado muito. Todavia, ao aproximar-me para recolhê-lo do chão percebi que era um morcego e, em minha análise insipiente, acreditei que fosse recém-nascido. Não trazia nada comigo onde pudesse abrigá-lo de uma forma cuidadosa, e a única alternativa foi envolvê-lo em um pequeno lenço, guardado na caixa dos óculos de sol. Por alguns instantes busquei examinar se, nas árvores da rua, existia algum vestígio do local de onde ele havia caído, mas não encontrei nada que me oferecesse uma resposta segura.


[A estrela vermelha marca o exato local onde o Vlad foi encontrado, na Rua Veríssimo Rosa, entre as Avenidas Ipiranga e Bento Gonçalves, em Porto Alegre.]

Optei por levá-lo ao colégio onde trabalho e conversar com os biólogos, que lá encontraria, sobre qual seria a melhor forma de atendê-lo. As pessoas para quem o apresentei, com exceção de uma professora e uma funcionária, demonstraram sentir medo e repulsa do morcego, além de julgarem incompreensível a minha atitude de recolhê-lo. Fui aconselhada por uma das biólogas a colocá-lo em uma árvore no pátio, pois ela não conhecia nenhuma alternativa que poderia ser mais eficiente. Acreditei, no entanto, ser insensato expor dessa forma uma criatura que aparentava tanta fragilidade e, além do mais, não sabia se a queda havia provocado alguma fratura que pudesse comprometer os seus movimentos. Como ele não teria condições de resistir se apenas fosse deixado ao ar livre, abriguei-o em uma pequena caixa e levei comigo para a biblioteca, setor onde trabalho. Tratando-se de um mamífero, tentei conseguir com a funcionária que havia se solidarizado um pouco de leite para alimentá-lo, mas a única bebida com características semelhantes que havia naquela manhã era iogurte de morango, que seria servido na merenda. Não tinha certeza se a composição do iogurte era adequada e fiquei com medo que alguma substância pudesse causar intoxicação, mas como não possuía outro recurso, ofereci o iogurte a ele, que veio a consumir as pequeníssimas quantidades que lhe eram dadas de uma forma muito voraz. 
Por não ter um recipiente adequado para transportá-lo para casa no intervalo do almoço, decidi deixá-lo na escola, no local que considerei ser o mais seguro. O passo seguinte seria pesquisar por instituições e descobrir algum estudioso dedicado à área de quiropterologia, que pudesse orientar-me a respeito da melhor forma de atendê-lo. Julguei que a UFRGS e a PUCRS seriam as melhores opções para proceder ao início da investigação. Todavia, no horário entre 12:00 e 13h30min, os setores das universidades estavam fechados e, então, busquei outras alternativas que, no momento, poderiam trazer-me alguma solução. Primeiro, liguei para o Parque Zoológico do Jardim Botânico, com o propósito de saber se recebiam animais que houvessem sido resgatados em situação de risco. Conforme me explicou o responsável pelo Parque Zoológico, o Jardim Botânico era autorizado a recolher animais apenas sob o encaminhamento de órgãos como o Ibama e a Polícia Federal. No segundo momento, entrei em contato com alguns pet shops e clínicas de animais, na esperança de encontrar um veterinário que pudesse me oferecer informações pontuais sobre os cuidados necessários ou propor alternativas que indicassem para onde direcionar o morcego. Novamente, não obtive nenhuma solução. Passei a consultar sites sobre o assunto e descobri que, no exterior, em países como a Estados Unidos, Austrália e Inglaterra, haviam muitos pesquisadores dedicados ao resgate e a reabilitação de morcegos, encontrados desabrigados ou vitimados por fraturas em decorrência de tempestades. Localizei, também, algumas instituições brasileiras que se dedicavam ao assunto, mas naquela circunstância não encontrei nenhuma referência relativa a Porto Alegre. 
Como precisava retornar ao trabalho, a única solução imediata que se apresentou ao meu alcance foi passar no supermercado, comprar uma caixa de leite para alimentá-lo com um produto mais adequado e retomar as buscas ao final do meu expediente. Durante aquela tarde, ainda no colégio, alimentei o morcego diversas vezes com leite, oferecido em uma pequena colher, o qual ele continuava a sorver com muita voracidade. Uma professora estagiária da turma infantil do 2º ano sensibilizou-se com a situação e auxiliou-me a acomodá-lo em uma caixa, que foi utilizada para transportá-lo para casa com mais segurança.
Após as 17 horas, quando retornei para casa, liguei para o departamento de Ciências Biológicas da UFRGS, a procura de professores ou alunos de pós-graduação que desenvolviam pesquisas relacionadas à quiropterologia. Indicaram-me a Profª. Marta Fábian, a qual, conforme pude observar em seu currículo, é uma grande especialista na área. No entanto, não consegui localizá-la por telefone. Em seguida, entrei em contato com a coordenação do curso de Biologia da PUCRS e a minha ligação foi transferida para o Museu de Ciências e Tecnologia. Fui informada que o MCT não realizava o acolhimento de animais nessa situação. Aconselharam-me a recolocar o morcego, assim que anoitecesse, no mesmo local onde ele havia sido encontrado, pois como os sensores espaciais da espécie são bem desenvolvidos, ao retornar ao seu lugar de origem ele conseguiria se localizar com facilidade ou ser identificado por familiares, sobretudo pela mãe que, conforme descobri, são bastante dedicadas e têm um senso de proteção muito grande. 
Aquela noite anunciou uma nova tempestade, e devolvê-lo ao local onde eu havia o encontrado seria colocar a sua situação em extremo risco e liquidar qualquer chance de sobrevivência. Acreditei, assim, que seria mais seguro permanecer comigo em casa e providenciei um abrigo para que ele pudesse ser instalado, alguns utensílios para manuseá-lo com segurança, como luvas de látex, e uma seringa, que foi utilizada para alimentá-lo com leite. Permaneci, ainda, com uma grande preocupação pelo fato de o dia ter chegado ao final e não ter conseguido o encaminhamento certo, principalmente porque na manhã seguinte, 13/12/2011, deveria fazer uma viagem a Santa Maria, ainda cedo, e retornar somente ao final da noite. Optei, contudo, por conservá-lo em casa, mesmo ao avaliar que poderia ser arriscado mantê-lo por mais de 15 horas sem alimentação e sem saber em que condições de saúde o animal se encontrava. No inicio da manhã, ele recebeu leite e os cuidados que julguei serem necessário. Em seguida, coloquei o mesmo em um local escuro, protegido do sol, para que não houvesse riscos de exposição à luz ou de uma possível queda se ele decidisse tentar voar. Quando retornei de Santa Maria já passava da meia-noite e, para minha surpresa, ele havia permanecido no mesmo local e posição em que eu havia deixado antes de sair. Tornei a alimentá-lo com leite, e ainda cheguei a oferecer-lhe frutas, o que ele recusou. A forma como sorvia o leite revelava uma fome insaciável, pois aceitava até o ponto em que eu continuava a lhe dar o alimento, não fazendo nenhuma objeção.
Na quarta-feira, 14/12/2011, ao reiniciar a procura por um especialista que pudesse vir a tratar do morcego encontrei, na página da Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros, um folder com informações sobre esses animais, elaborado em decorrência de o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA/UNEP) ter elegido o período de 2011-2012 como o Ano Internacional do Morcego. O referido folder trazia uma relação de especialistas sobre o assunto de todo o Brasil, juntamente com nome das instituições às quais os mesmos pertenciam e referências para contato. No espaço destinado ao Rio Grande do Sul, encontrei os nomes dos profissionais que poderiam atender em Porto Alegre e, entre eles estava a professora da UFRGS, Marta Fábian, com a qual não havia conseguido fazer contato telefônico, e a bióloga Susi Pacheco, para quem liguei em seguida. Recebi da bióloga instruções por telefone e decidimos que, na tarde daquele mesmo dia, levaria o morcego ao Instituto Sauver, onde ela trabalha. Procedi conforme combinamos, entreguei o morcego a Dra. Susi que, ao examiná-lo, logo identificou a sua espécie e descreveu-me com exímios detalhes as características essenciais da mesma. A bióloga também me esclareceu que não se tratava de um filhote, mas de um jovem morcego no início da idade adulta, de natureza insetívora. A intenção inicial, conforme o parecer da Dra. Susi, era reabilitá-lo em devolvê-lo à natureza. No entanto, foram diagnosticados uma pequena fratura, provavelmente ocasionada em decorrência da queda, e um problema de má formação das asas, que apresentavam uma discrepância no tamanho. Conforme a Dra. Susi relatou-me em contatos posteriores, essas razões fizeram com que o morcego, que se tornou meu 'afilhado' e na ocasião de nosso encontro foi batizado com o nome de Vlad (durante o tempo em que permaneceu em minha casa não havia recebido nome, pois eu não consegui identificar a qual gênero pertencia), permanecesse sob os cuidados de sua equipe de trabalho.


   [Cartão que Susi Pacheco enviou-me por ocasião do Natal.]"

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A bat-reportagem!

Faz um tempo que ando criculando pelas redes sociais com esta foto aqui,


do Tadeu Vilani, da mesma forma que ostentei por semanas, no msn, a frase "Vem aí uma bat-reportagem..."

Pois bem, a bat-reportagem finalmente foi publicada, então já posso falar dela. Está na edição 61, de agosto de 2012, da revista Brasileiros. O conteúdo só pode ser acessado comprando o exemplar nas bancas. Como chamariz, publico aqui o início da reportagem:

"Susi e Vlad

Eis a história da luta enfrentada por uma incansável bióloga para salvar um animal do qual a maioria das pessoas sente medo, muuuuuito medo.

por Augusto Paim

Porto Alegre, quase 10h da manhã. Pela clínica veterinária Toca dos Bichos, costumam passar gatos, cachorros, pássaros, tartarugas e coelhos. Nesta sexta- feira, 16 de março, porém, em breve irromperá pela porta um animal que não se costuma ver por aqui.

Na sala de espera, ouve-se um papagaio cantando a versão gaúcha do parabéns a você (“Parabéns, parabéns / saúde, felicidade / que tu colha sempre todo dia / paz e alegria na lavoura da amizade”). Lá fora, um macaco maneta tenta fazer as acrobacias próprias da sua natureza apesar das novas limitações físicas. É nesse cenário que surge Susi, 49 anos. Ela chega sorrindo – sempre sorrindo –, o cabelo arrumado num coque no alto da cabeça. Traz entre as mãos um pequeno pano branco, dobrado em dois. Ela deposita-o sobre o balcão. Abre. Entrevê-se agora o pequeno e calmo Vlad. Pesando apenas 12 gramas, ele é mais leve que uma barrinha de cereal." [...]

Em breve publico aqui um relato de como o morceguito Vlad foi parar nas mãos da Susi. Essa é uma história que não está na reportagem.

Em tempo: a história da Susi e do Vlad foi uma das narrativas que mais me deu prazer em apurar e produzir, nos últimos tempos. É, de fato, uma história muito comovente. Espero que o leitor seja minimamente contagiado por isso.

Boa leitura!

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Aldeia Global

Não faz muito, em junho, enquanto flanava pelas ruas de Paraty, RJ, dias antes da famigerada FLIP começar, conversei com muita gente e conheci muita história bacana. Nessas horas de bate-papos despreocupados, apesar do estado de relaxamento em que me encontrava, meus ouvidos de jornalista estavam sempre atentos a qualquer possibilidade de pauta.

Foi assim que um dia, por acaso, fiquei sabendo duma história no mínimo inusitada: que uma professora licenciada em informática estava traduzindo o BrOffice (versão brasileira e aberta do Word) para a língua dos índios.

Considero esse um achado. Mesmo. Porque essa professora não divulga seu trabalho. Porque sequer seus colegas mais próximos sabiam disso. Eles reagiam surpresos quando eu contava: "O quê? A Gilmara está traduzindo um software pro guarani???"

Claro que desse estopim inicial que foi a ideia da pauta até a versão final, que acaba de ser publicada (veja abaixo), houve muita apuração, pesquisa de novas fontes, entrevistas conseguidas a fórceps e tudo que costuma pertencer à rotina jornalista. Mas esse imenso trabalho só foi possível por causa da conversa que tive por acaso com a Gilmara, num dia em que dividimos um táxi para voltar da Associação Cairuçu (onde ministrei uma oficina de quadrinhos) até a cidade de Paraty. É por isso que dedico essa reportagem a ela.

 ***

"Aldeia Global

Em Paraty Mirim, RJ, localizada a cerca de meia hora de Paraty (a cidade da FLIP), uma comunidade indígena vive as primeiras experiências de conexão com a internet.

por Augusto Paim

Choveu bastante entre os dias 7 e 8 de julho, o final de semana da Festa Literária Internacional de Paraty, e por isso os ônibus que iam para Paraty Mirim tiveram que permanecer na garagem da empresa. Em momentos como esse, bastante comuns, a aldeia fica isolada, e a comunicação só pode ser feita pelos telefones celulares e, recentemente, pela internet."

[continue lendo].