quarta-feira, 28 de março de 2012

Por um lugar para Liniers na Academia

Com muito orgulho divulgo aqui o novíssimo número (o quarto!) dos Cadernos de Não-Ficção, publicação de ensaios sobre literatura da editora porto-alegrense Não Editora. Esta edição trata da Argentina. Tive a oportunidade de prestar a minha colaboração, com um ensaio sobre as entrevistas em quadrinhos do Liniers. Pode folhear e ler à vontade aí embaixo. O meu texto começa na página 62 e vai até a 69.

Importante: se clicar em cima com o mouse, você consegue ler em tela cheia. Bem mais confortável para os olhos!

sábado, 10 de março de 2012

Senhor Cash

Ainda aproveitando a onda de comemorações aos 80 anos da data de nascimento de Johnny Cash, celebrados no último dia 26 de fevereiro, tive a oportunidade de responder a uma gostosa entrevista sobre a tradução de Johnny Cash - uma biografia, do quadrinista alemão Reinhard Kleist. As perguntas são do blog Senhor Cash, hiper-especializado na obra do músico. Segue abaixo!

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"No livro, vemos um Johnny Cash mais sombrio. Foi essa mesma a intenção de Kleist?

Sim, foi mesmo, e essa intenção já se manifesta no fato de o livro ser em preto e branco. O Johnny Cash de Kleist é uma espécie de Cavaleiro das Trevas da música country, o que de certa forma demarca a inflluência da linguagem dos quadrinhos na obra. A versão cinematográfica Johnny & June, apesar de bastante diferente, também evidencia a influência de um gênero e de uma linguagem no resultado estético. Essas diferentes versões, no entanto, não significam de modo algum falhas de uma ou outra obra. O mesmo homem pode ser lido sob diferentes luzes. É questão de interpretação. Isso tudo condiz com a declaração feita por uma das personagens da HQ, na página 92: "De vez em quando você tem de ler apenas nas entrelinhas. Então você tem as verdadeiras histórias. No fim, são as histórias que permanecem, não os fatos. E histórias precisam ser contadas." O Johnny Cash de Kleist é isso, um homem iluminado pela luz de uma lanterna na floresta escura.

Qual a importância das músicas (letras) no livro, já que algumas ganharam aspecto de mini-capítulos?

É difícil fazer a biografia de um músico, tanto em quadrinhos quanto em prosa. Por quê? Porque esses são meios visuais, o que faz perder o principal elemento de um personagem como esse: a sua arte. Não que isso inviabilize um trabalho, pois há alternativas. Kleist, por exemplo, usa as músicas como interrupções para dar ritmo à leitura - como as pausas em uma música! Ele inclusive 'desenha' essas músicas, da mesma forma que Crumb faz em
Blues. Isso só é possível, claro, porque as canções de Johnny Cash são de natureza narrativa. Elas contam uma história e, quando a ouvimos, imaginamos essa história. São, portanto, músicas visuais!

Por outro lado, essa estrutura utilizada por Kleist tem outra função: ela insere as obras dentro do contexto da vida do autor contada durante todo o livro. Porque os grandes artistas - os de reconhecimento duradouro - não criam apenas por objetivos comerciais. Eles 'sentem' o que criam, e essa sua obra tem então origem nos acontecimentos à sua volta. Assim é a história de Johnny Cash e assim conseguiu Kleist reproduzir essa história na forma de quadrinhos.



Por que o livro ganhou tantos prêmio pelo mundo todo?

Premiações às vezes dizem respeito mais a questões extraliterárias (extraquadrinísticas também) do que à qualidade da obra. Mas há casos raros em que mérito e reconhecimento do meio coincidem. É o caso de
Cash - uma biografia. Vejo nessa obra diversos motivos para essa carreira premiada. Um dos principais são técnicos: a qualidade do desenho, as dificuldades de narrar em preto e branco, o layout das páginas... Outros são de natureza narrativa: o modo como Kleist compôs a obra, a escolha do narrador, a estrutura dos capítulos etc. Mas, no fundo, no fundo, o que importa mesmo é o conjunto da obra composto pelo mosaico de todas essas partes. O que importa mesmo é a interpretação que Kleist nos dá de Johnny Cash. Sem romantismo, sem iconolatria. Apenas o homem e o que ele conseguiu com sua arte, sem esquecer aí o que isso lhe custou. O ônus e o bônus. Como na vida de todos nós, pessoas reais.

Na sua opinião, o que diferencia Cash de outro ídolos da música americana?

Acho que a sua versatilidade é um elemento importante que o diferencia. Johnny Cash, que começou com um ídolo comum da música country, tornou-se no fim da vida um artista contracultural. E em todas as fases da sua carreira há músicas emblemáticas que permanecem idolatradas até hoje. Ele também é bastante admirado por sua audácia e coragem - como por ter tocado para os prisioneiros na prisão Folsom, por exemplo - e pela sua perseverança ante os obstáculos da vida - a morte do irmão, as crises com as drogas, o relacionamento com June. Em suma, Johnny Cash sintetiza a unificação entre artista e obra, e aqueles que o admiram de verdade o admiram como homem e como músico.
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