quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Sobre tradução

Estava eu hoje respondendo a perguntas sobre a tradução de Johnny Cash - uma biografia (8Inverso, 2009), quando me dei conta de que não divulguei aqui uma outra entrevista que concedi no ano passado, para o site da editora. Segue abaixo! As perguntas são do jornalista Vitor Diel. Algumas respostas estão desatualizadas, pois a entrevista foi feita em junho de 2011 e de lá para cá muita coisa mudou. Mas são só os dados que mudaram, o conteúdo mais importante parmanece atual.

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1) Primeiro, resuma um pouco da tua biografia e currículo: idade, onde nasceste, formação, trabalhos que tens feito, cursos que ministras, línguas nas quais tem fluência, etc.

Eu nasci em Porto Alegre, no dia 17 de novembro de 1985, portanto tenho 25 anos. Aos 15 me mudei para Santa Maria, onde terminei o Ensino Médio e fiz a faculdade de Comunicação Social - Habilitação Jornalismo, na UFSM. Logo após concluído o curso, voltei para Porto Alegre para fazer a Oficina de Criação Literária do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil. Desde então, trabalho como jornalista cultural freelance, colaborando com veículos como a Revista da Cultura, a Continuum (do Itaú Cultural) e a espanhola Zona de Obras. Também sou colaborador do Goethe-Institut Porto Alegre, em projetos ligados a quadrinhos, e do Itaú Cultural. E estou desenvolvendo uma reportagem em quadrinhos sobre as favelas cariocas para o site holandês Cartoon Movement. Além do português, falo inglês e alemão, e estou aprendendo japonês.

2) De quem partiu a iniciativa de traduzir o Johnny Cash? Já conhecias o trabalho do Kleist?


Entre 2008 e 2009, morei na Alemanha por oito meses, trabalhando como Aupair. Foi lá que tive contato com a maioria das obras de quadrinhos que tenho me esforçado para trazer para o Brasil, como foi o exemplo de Cash, do Reinhard Kleist. Essa história eu contei no posfácio da edição brasileira, da 8Inverso. Em Berlim, eu visitei o ateliê de um outro quadrinista que eu admiro, o Mawil. Pois ele dividia na época o espaço com mais três quadrinistas, entre eles o Kleist. Foi aí que conheci o trabalho dele. De volta ao Brasil, em meados de 2009, o Robertson Frizero (que foi meu colega na oficina de criação literária do Assis Brasil) me pediu sugestões de projetos para a editora da qual ele recém virara sócio, a 8Inverso. Eu sugeri a tradução de Cash. Aí ocorreu uma coincidência que ajudou bastante nessa decisão: eu já estava organizando um evento com o Goethe-Institut Porto Alegre que traria o Kleist para o Brasil no final do mesmo ano. A editora aprovou a ideia, e então corremos para fazer a tradução a tempo de lançar com a presença do autor. Eu me sinto orgulhoso por ter trazido a obra do Kleist para o Brasil, mas também sei que isso só ocorreu porque houve uma editora com visão suficiente para topar a empreitada e ver aí uma grande oportunidade. Ainda hoje há vários autores alemães consagrados esperando por tradução. Não é toda editora que tem esse tino para negócio.

3) Uma graphic novel biográfica, como é o caso de Johnny Cash – uma biografia, aproxima-se mais da literatura ou do jornalismo?

Eu diria: aproxima-se mais do Jornalismo Literário. A reportagem feita em profundidade, no meu ver, tem muita semelhança com as melhores obras literárias, porque acaba não apenas informando, mas também transformando. Elas nos fazem pensar. O Jornalismo Literário bem feito também tem esse poder. Claro que aí há uma discussão sobre uma possível fronteira entre ficção e não-ficção, o que é bem questionável até certo ponto. A respeito disso, gosto muito de citar o que um personagem diz na página 94 de Cash: "De vez em quando você tem de ler apenas nas entrelinhas. Então você tem as verdadeiras histórias. No fim, são as histórias que permanecem, não os fatos. E histórias precisam ser contadas." Acho que o Jornalismo Literário ou mesmo as biografias em quadrinhos seguem exatamente esse preceito: se bem feitos, contam uma história que nos ensina algo. E essa história surge de uma apuração minuciosa, sem se ater apenas às informações objetivas.

4) A edição original do livro foi publicada na Alemanha em 2006, próximo ao lançamento do filme americano “Johnny & June”, também sobre a vida de Johnny Cash. Que diferenças existem entre as histórias apresentadas nas duas obras?

Pois isso foi uma coincidência. O Kleist não sabia que estava sendo feito o filme. Na minha visão, a versão cinematográfica da vida de Johnny Cash é mais romanceada, focada mesmo na relação dele com a June. Uma história de amor, praticamente. Já o quadrinho de Kleist tem uma atmosfera mais sombria, com bastante peso para o efeito das drogas na vida do Cash. Acho que por isso o trabalho do Kleist corresponde melhor ao que foi à vida de Johnny Cash. Se você acompanha a trajetória completa de Cash - incluindo aí a relação com a June, a carreira musical, sua infância e o uso das drogas -, você compreende (eu diria, você "sente") muito melhor o clipe "Hurt" (veja abaixo), que é praticamente um apanhado de tudo o que a vida de Cash significou. Com o filme não. Com o filme você tem uma visão mais positiva e menos realista da mesma história.



5) Existem limitações narrativas impostas pelo gênero graphic novel? Qualquer história pode ser transposta e adaptada aos quadrinhos?

Essa é uma ótima pergunta. Se formos pensar que o quadrinho é uma mídia visual, pareceria loucura contar aí a trajetória de um músico. Por isso o trabalho do Kleist merece tantos elogios. Por outro lado, acredito que há histórias mais apropriadas para a linguagem dos quadrinhos. Trabalho com Jornalismo em Quadrinhos e tenho pesquisado bastante sobre que vantagens há em se fazer uma reportagem usando essa linguagem. Afinal, há pautas mais adequadas para televisão, outras para impresso, outras para rádio. No meu ver, o quadrinho é muito bom para histórias com bastante apelo visual e que exigem reconstituição de cenas e construção de atmosferas. Nesse sentido, a sarjeta (o espaço entre um quadro e outro) pode ser um recurso excelente para tornar o leitor o responsável pela criação do clima da história, ou seja, para jogar o leitor dentro da história. É uma arte difícil de dominar, mas que o Kleist faz muito bem.

6) Que sugestões darias a jovens estudantes interessados no trabalho de tradução literária?

O importante da tradução literária é dominar a língua de chegada - o português, no nosso caso. Porque o alemão, por exemplo, é uma língua de difícil domínio. É uma língua que esconde muitas sutilezas de significado, mesmo para quem já convive há anos com o idioma, como é o meu caso. Para traduzir Cash, eu contei com a ajuda do próprio autor e de um amigo alemão que fala português. Eles foram cruciais para eu entender o signifcado preciso de algumas frases, principalmente no que diz respeito ao subtexto. A minha responsabilidade portanto foi encontrar a melhor forma de traduzir isso na minha língua, fazer o trabalho de Kleist se comunicar de maneira eficiente com o leitor brasileiro. Por isso acho que o importante mesmo é dominar os recursos da língua de chegada. Já com a língua de partida é necessário ter uma relação longa e profunda, claro, mas dificilmente se conseguirá dominá-la. É aí que vêm em nosso auxílio os dicionários e outras fontes.

7) Como é a rotina e a prática do trabalho de tradução de livros?

É difícil responder a isso. Cash foi a minha primeira e única tradução até agora. Para esse trabalho, tive um desafio especial: tive que traduzir em três semanas, para dar tempo de lançar o livro com a presença do autor. Isso ocorreu porque comecei a conversar com o Robertson em julho, se não me engano. E em setembro a 8Inverso estava fechando o contrato com a Carlsen, que detém os direitos da obra. Antes disso eu não podia traduzir. Foi uma correria, mas deu tudo certo. Enquanto o contrato não ficava pronto, eu me preparei assistindo a documentários sobre a vida de Johnny Cash, de modo que quando eu comecei o assunto não era novo para mim. Agora vou fazer minha segunda tradução e o método será certamente outro. Para começar, não é um trabalho biográfico, então esse tempo de pesquisa diminui um pouco. Por outro lado, também terei mais tempo para a tradução, o que permitirá um preciosismo e uma reflexão ainda maior. O que, claro, já houve durante a tradução de Cash. Acho no entanto que com a correria eu não pude curtir tanto o trabalho: era acordar de manhã e trabalhar em três turnos, quase sem pausa. Nesse novo trabalho quero aproveitar mais o processo, me divertir com ele. Ainda mais que se trata de uma obra que eu gosto muito.

8) Como proceder para acompanhar teu trabalho ou entrar em contato? Tens blog, utilizas as redes sociais?

Eu tenho um site, onde está publicado meu portfólio. O endereço é este: www.augustopaim.com.br. Ali é possível acessar meu perfil no Facebook e no Twitter (@augustoteles). Também tenho dois blogues: o www.cabruuum.blogspot.com, onde desde 2005 escrevo sobre quadrinhos; e o www.augustfest.blogspot.com, que começou como um espaço para relatar as minhas experiências de intercambista e onde hoje divulgo meus mais recentes trabalhos, bem como publico textos literários.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Uma pauta do barulho

O caminho que leva até uma pauta ser aprovada... Muitas vezes, é a própria via-crúcis.

Acho que foi lá por 2006, no último ano de faculdade em Santa Maria/RS, quando ouvi falar pela primeira vez em Música Eletroacústica, num encontro de um grupo de pesquisa que trouxe um convidado para falar sobre o tema. Na hora, já pensei: "que ótima pauta!" Depois disso, veio a formatura, o primeiro ano de mudança para Porto Alegre ralando em freela esparsos, os oito meses na Alemanha cuidando de crianças e o retorno à vida de freela em Porto Alegre. Se eu colocar no campo de busca do meu email a expressão "Música Eletroacústica", vão aparecer inúmeros emails que mandei para também inúmeros veículos oferecendo o tema como pauta em todo esse período. Na maioria das vezes, recebia um "não", o que já era melhor que não receber resposta.

Em outubro do ano passado, o tema voltou novamente à minha cabeça porque fiquei sabendo que seria inaugurado um espaço de Música Eletroacústica na UFRGS. Estive lá para conferir. Novamente, senti aquela empolgação que havia me contagiado ainda na faculdade. Sem muita esperança, comentei sobre esse evento com o editor da Revista da Cultura. Depois disso, deixei pra lá. Então, no final de dezembro, quando o mundo costuma parar para celebrações de Natal e Ano Novo, eis que recebo o glorioso email tendo como assunto as palavras que todo freelancer quer ler: "pauta aprovada".

O resultado foi publicado esta semana:


"Um maestro do barulho

Aos 80 anos, Frederico Richter é um dos pioneiros no Brasil da revolucionária Música Eletroacústica

por Augusto Paim

Na terça-feira, 4 de outubro de 2011, o pequeno João Vítor, de 8 anos, saiu mais cedo de casa em direção à escola. A aula começaria à tarde, mas às 12h30 ele já estava na Sala dos Sons, no segundo andar do prédio da reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. Sentou-se em uma cadeira e, a não ser pelas perninhas balançando, manteve-se em silêncio tranquilo pelos cerca de 50 minutos que durou a apresentação. A primeira música era do seu avô, que ficou de pé para receber os aplausos do público. Seguiram-se outras três. Uma delas imitava o barulho de animais imaginários, com ruídos de insetos metálicos e urros aquosos. O som era estranho e vinha de todas as direções – como se atravessasse seu corpo. Assustador. Mas não para o menino, que considerava tudo aquilo familiar. [...]"

[continue lendo].

Como complemento dessa reportagem, foi publicada no Cultura News uma entrevista, que eu fiz e traduzi, com um especialista alemão em Música Eletroacústica. Leia aqui.