quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Diário de bordo, parte 3: o roteiro

Faz muito tempo que publiquei aqui as partes 1 e 2 do diário de bordo. Não sabe do que estou falando? Pois deixe-me avivar sua memória.

No ano passado, fiz uma reportagem em quadrinhos para o Itaú Cultural sobre o Esporte Clube Juventude. Essa reportagem está disponível aqui. Como o Jornalismo em Quadrinhos é algo novo, cujos mecanismos e práticas ainda são desconhecidos, decidi relatar aqui um pouco do meu processo fazendo essa reportagem. Na primeira parte, falei sobre a pauta. Na segunda, falei sobre apuração. Agora vou falar sobre:

O roteiro

Ou talvez fosse melhor falar em pré-roteiro. Na verdade, refiro-me a isto aqui:



Essa é uma primeira decupagem da apuração. Pois quando a desenhista Ana Luiza Koehler me encontrou em Caxias do Sul, onde eu estava apurando para a reportagem, a primeira coisa que fizemos foi montar uma distribuição dos temas apurados nas páginas disponíveis.

Esse foi um processo muito gostoso, de mérito da dupla. Para começar, eu contei para a Ana tudo que eu aprendera sobre o Juventude naquela semana. Eu já tinha minhas ideias também sobre algumas "tomadas" a inserir na reportagem - e uso a linguagem do cinema porque os quadrinhos têm ligação forte com essa arte. A Ana esboçou visualmente tudo isso que vínhamos falando. Juntos, fomos montando o quebra-cabeça, distribuindo os assuntos de forma equilibrada.

Esse pré-roteiro foi fundamental para todo o resto da reportagem. Afinal, havia muitos assuntos que eu queria abordar, e sem uma limitação de um assunto por página, ficaria difícil não se perder. Digamos que isso foi também uma pré-edição.

Assim, decidimos que a primeira página seria uma introdução ao tema, de modo a deixar claro que se tratava de uma reportagem em quadrinhos, e não uma história em quadrinhos ficcional. Seria um lide quadrinizado, dizendo de outro modo. Já a segunda página, seria reservada para contar a história do clube. Na terceira, o relato dos tempos áureos. Na quarta, o relato da derrocada, com suas explicações. Na quinta, uma espécie de enquete sobre o que funcionários, torcedores e jogadores estão esperando do clube na próxima temporada. E na sexta e última página, uma finalização da reportagem que mostra ainda grandes astros do futebol brasileiro que passaram pelo clube.

Com essa marcação, ficou fácil para mim, na hora de escrever o roteiro, descobrir quais eram as informações principais sobre cada tema, de modo a contar apenas o essencial - pois de outro modo não caberia na página. Sabendo qual assunto viria na página seguinte, também ficou mais fácil encontrar o gancho entre as páginas (porque é necessário contar uma história em sequência, e não juntar páginas sem ligação umas com as outras).

Algumas questões visuais já estavam presentes nesse esboço, como a ideia de abrir a reportagem com uma vista aérea do estádio Alfredo Jaconi, como se fosse uma câmera presa a um helicóptero que se aproximasse gradativamente do campo até focar em garotos jogando bafo na arquibancada. Também decidimos aí que, em algumas passagens da HQ, usaríamos fotos de arquivo para alguns quadros, em vez de desenhos. Eram casos bem específicos, como este: tínhamos uma foto do time do Juventude na década de 1920, e uma foto antiga e histórica como essa é com certeza muito mais interessante que qualquer desenho. Sem falar que reforça a pesquisa do trabalho.

Esse foi o momento também de tomarmos outras decisões técnicas. Concluímos que o repórter deveria aparecer na HQ. Não exatamente eu, claro; o que decidimos é que seria necessário marcar a presença de um repórter, de modo a reforçar o fato de se tratar de JORNALISMO em quadrinhos. Porque, para quem nunca ouviu falar no termo, poderia parecer uma história ficcional. Assim, achamos importante mostrar (mesmo que discretamente) o repórter em ação, enfatizando o processo de entrevista.

Também aí começamos a pensar a forma de creditar os personagens (que, no fim, acabou sendo o balão de legenda com uma seta apontando para o entrevistado, estilo Angeli, porém sem viés cômico). Isso pode parecer uma decisão menor, mas qualquer pessoa que se aventure a fazer reportagem em quadrinhos verá que esse tipo de decisão é sempre difícil, em se tratando de um gênero cujas regras ainda não estão definidas. Imagine como seria se toda vez que você fosse fazer uma reportagem impressa ou para televisão você tivesse que pensar: onde será que eu coloco os créditos do entrevistado? Em que posição na tela/no texto?

Como última decisão, previmos já nesse pré-roteiro o estilo de desenho: o mais realista possível, baseado no objeto real. Como a Ana é formada em Arquitetura, isso foi até natural para ela.

Terminada a apuração, voltamos a Porto Alegre e eu comecei a trabalhar no roteiro. Fiz uma primeira versão, que a Ana transformou no storyboard abaixo:

O storyboard da Ana têm modificações em relação ao roteiro. E isso foi muito bom. O layout que ela sugeriu para a segunda e a sexta página, por exemplo, ficou muito melhor do que os que eu havia apontado no roteiro. Como todo bom trabalho em dupla, desenhista e roteirista influenciaram o trabalho um do outro, melhorando o produto final. E isso ficou mais claro na sexta página: porque, quando escrevi o roteiro, eu decidi mudar um pouco a ideia do final que havíamos previsto na decupagem. A Ana, por sua vez, percebeu que esse novo final ficaria muito mais amarrado se retomássemos a imagem da primeira página, dessa vez aproximando ainda mais do álbum de figurinhas (onde aparecem imagens de jogadores famosos no futebol brasileiro que passaram pelo Juventude). Explicando melhor: na primeira página, marcávamos o fato de um menino ter perdido no bafo, o que vai ao encontro do texto, que fala dos tempos áureos do Juventude, para depois comentar que o time começou a derrocada - no caso, quando o texto fala a primeira vez em derrocada, aparece a imagem do menino perdendo (texto e imagem estão, nesse momento, perfeitamente integrados). Então a Ana se deu conta que, para a última página, o foco deveria ser o menino que ganhou. E com isso a reportagem ganhou uma amarração que antes não havia.

Esse é apenas um exemplo, para mostrar essa integração entre roteiro e desenho, que buscamos para a reportagem sobre o Juventude. Houveram outros, claro, mas esse é o mais relevante e exemplar.

Depois disso tudo, veio o processo de edição. Que merece um post a parte.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Novo (proto)Jornalismo digital

Descobri dois projetos novos de jornalismo digital. Embora um seja português e outro brasileiro, são, em resumo, idênticos.

O primeiro é uma iniciativa do jornal Porto, criado em 2010, exclusivamente online. Dentro do site há uma seção chamada Porto 24 - 24 Horas de Porto. Cutuque no link para visitar.

Fez isso? Agora vá ao site da revista Brasileiros e procure pela seção Digitais. Para facilitar, já pus o link direto aí ao lado.

Os dois projetos são focados na vida de habitantes não-famosos de grandes cidades (Porto e São Paulo). Suas histórias são contadas com o uso de áudio (basicamente, entrevistas) e fotografias.

Acredito ser essa uma espécie de protojornalismo digital. Quer dizer, já é uma primeira iniciativa, feita por veículos comerciais, de se construir reportagens usando recursos diferenciados, utilizando ferramentas de web, com novas formas de narrar. Isso já é diferente do que hoje se costuma fazer em jornalismo na internet, ou seja, a mera escrita de um texto (que poderia ser impresso sem perda de conteúdo), acrescido de um que outro vídeo, link ou a opção de "curtir" do Facebook.

Mesmo assim, esses dois projetos ainda estão muito aquém do que a própria tecnologia permite fazer. Não há ali outros recursos de hipertexto (links, texto, vídeo etc), nem construção em rede (você olha a história de um personagem, depois precisa voltar para a página inicial para escolher outro). A multilinearidade, no entanto, já está ali, ainda que de forma simplória.

Quem sabe não são experiências que abrirão caminho para outras mais rebuscadas? Quem sabe não começa aí um Novo Jornalismo digital, praticado em larga escala?

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Uma planta qualquer

A planta desconhecida estende seus braços para mim

Mas o seu corpo se afasta com receio

(Ou talvez pudor, por ser feminina)

Eu olho para as suas ramagens e vejo espinhos

Eu olho para as suas ramagens e vejo folhas brandas

Uma proliferação de galhos

Cada um seguindo uma direção

Talvez eu saiba de que espécie é

Mas não sei de onde veio

Quem a plantou?

Por que essa atitude agressiva-defensiva?

Quando eu souber as respostas,

Aí o vegetal deixará de ser planta-desconhecida

E eu poderei chamá-la de planta-planta!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Os bastidores dos museus

Está no ar minha última reportagem, sobre os bastidores de alguns dos principais museus do mundo. Infelizmente, não consegui entrevistar ninguém de fora do mundo, mas cito no texto entrevistas com profissionais da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre, do Malba (Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires), do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova Iorque) e do Reina Sofia, da Espanha. Por um triz, não rolou também o Louvre... De qualquer forma, agradeço à incansável jornalista Thaise Valentim, que atualmente mora em Paris, por seu empenho em me ajudar nessa missão. E ao jornalista e amigo Gustavo Hennemann, pelo suporte em Buenos Aires.

Segue abaixo o início do texto.

"Debaixo da ponta do iceberg

Diz-se que o jornalismo é a arte de sujar os sapatos. O repórter que enfrentou a chuvosa Porto Alegre de 9 de novembro de 2010 há, no entanto, de contradizer: o jornalismo é a arte de molhar os sapatos.

Na galeria da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, do Instituto de Artes da UFRGS, o repórter encontrou abrigo contra a chuva. Enquanto a entrevistada Ana Maria Albani de Carvalho, pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, resolvia algumas pendências, ele observava o ambiente ao redor. Uma exposição de gravuras seria inaugurada em dois dias; em razão disso, alunos equilibravam-se em escadas pendurando quadros, martelos martelavam - tap-tap-tap - e pregos afundavam na madeira - tum-tum-tum. Junto a uma mesa, uma estudante montava cada moldura numa colagem com espuma branca.

O repórter não sabia, mas sua reportagem começava ali."

[continue lendo]


quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Bolo de cenoura

O místico

O mítico

O mefítico


O poeta

O profeta

O pateta


O ator

O autor

O algoz


O crítico

O criticado

O criminoso


O sonho

O sonso

O sogro


O Augusto

O joão

A Carolina

(Ai, a Carolina...)


E mais esse elemento externo – sei lá, talvez seja o ar – que une [todos os ingredientes em uma massa homogênea

domingo, 2 de janeiro de 2011

Importante reflexão de Ano Novo

Virada de ano é sempre época de olhar para si, fazer projeções e pensar sobre o que se foi e o que se é.

Interessante notar que essas reflexões de cada um são, até certo ponto, condicionadas pela cultura e a geografia de quem reflete. Duvido, por exemplo, que alguém em pleno frio europeu seria capaz de fazer o raciocínio que eu fiz.

No dia 1º de janeiro de 2011, eu estava em Novo Hamburgo, na grande Porto Alegre. Fazia calor. Lancei um olhar suado para mim mesmo e vi meu chinelo de dedo. Especificamente, vi aquela parte que segura o chinelo no pé e dá estabilidade. Aquela parte que fica ao lado do dedão, pregada à sola. (Quando o chinelo arrebenta, essa parte fica literalmente pregada.)

Percebi que entre o dedão e o indicador (o segundo dedo do pé também se chama indicador? Mas vai indicar o quê com o pé?!), o vão é maior do que entre os outros dedos. Pode olhar para o seu pé agora mesmo para comprovar. Se você for ser humano, claro.

A questão que me ocorreu é: será que o inventor do chinelo decidiu colocar essa parte ao lado do dedão (e não entre outros dedos) por ser esse vão naturalmente maior no pé do ser humano? Ou a escolha foi arbitrária, e o vão é maior justamente pelo nosso costume de usar chinelo?

É tipo a história do ovo e da galinha, mas pode ser que para essa questão do chinelo de dedo haja uma resposta histórica. Se você souber, por favor, diga!