quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Eu

Não aspiro à perfeição

Não busco o auge absoluto

Especulo sobre o que sou e serei...

Refletindo, percebo o lógico:

sou imperfeito

(Humano, acima de tudo)

Se às vezes sou insano e problemático

é porque penso e ajo de acordo

com a ideia de humanidade

que os homens criaram


Sou único e sou comum

Sou exclusivo e sou incógnito

Sou eu e não deixo de ser aquele

Mas, para mim, continuo sendo eu

VIVO

Magnitude de ser e existir,

Viver pensar sentir

E escrever...

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Mudanças

Este blogue, não sei se você se lembra, surgiu para contar a amigos e familiares alguns episódios marcantes do meu intercâmbio na Alemanha, entre agosto de 2008 e abril de 2009. Eram relatos escritos logo após os acontecimentos, muitos deles em tom de humor (e relê-los me fez rir por umas boas duas horas esta manhã). No fim, o estilo engraçado dos textos acabou atraindo outros leitores, que não me conheciam, e que passei a conhecer através da internet.

Mas nem tudo é alegria neste mundo, e com a volta ao Brasil eu precisei dar uma nova cara ao blogue, por motivos óbvios. Decidi transformá-lo num portifólio profissional, um espaço para agrupar minhas reportagens e também para narrar pequenos bastidores da minha profissão - jornalista. Afinal, um blogue que me gerou tantas alegrias não poderia ser jogado fora de uma hora para outra.

(Sobre isso, me ocorreu outro dia o pensamento de que blogues são como bichinhos de estimação. Nós os adoramos no início, quando são fofinhos e brincalhões, mas depois vão crescendo e perdendo a graça. A diferença é que o filhote acompanhará você por pelo menos 10 anos, fazendo cocô e xixi pelos cantos, até morrer de causas naturais. Já o blogue segue você por tempo indeterminado - provavelmente você morrerá antes do blog -, e só acaba mesmo se for vítima de abandono ou maus tratos.)

Pois agora eu decidi fazer uma nova mudança, e acredito que seja para melhor. Passarei a publicar aqui também textos ficcionais, como contos, crônicas, minicontos e poemas. Resgatarei alguns textos antigos que estavam numa pastinha preta aqui em casa, pastinha essa fechada há anos. Também usarei este espaço para divulgar a minha produção literária recente, pois voltei a escrever ficção este ano (2010). O AugustFest não perderá o foco, apenas terá mais coisas. Continuarei lincando aqui minhas reportagens e outros textos, farei comentários (alguns sagazes, outros inúteis) e porventura serei engraçado.

Para marcar essa nova fase, publico aqui um pequeno metapoema sobre a vida literária. Eu o escrevi no auge dos 16 anos, quando as espinhas brotavam na cara na mesma frequência com que surgiam minhas primeiras desilusões com concursos literários (mesmo que eu tenha sido selecionado em alguns). Ei-lo.

***

Texto para concurso

Este poema pode parecer ruim, muito ruim, horrível

Na verdade, é bom, muito bom, excelente

E cumpre o seu papel mais importante:

Mínimo de cinco versos

Em espaçamento mais-que-duplo

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Os beats: autodestrutivos, porém imortais

A edição número 17 da revista Norte sai com um texto meu sobre o livro "Os beats - graphic novel". Nesse texto, eu decidi ousar um pouco e acabei fazendo uns experimentos para ressaltar o conteúdo do livro na forma da resenha. Se funciona ou não, você mesmo pode dizer. A edição está disponível online logo abaixo. Meu texto está na página 27.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

5 depoimentos sobre charges

Produzi para a revista Continuum, do Itaú Cultural, uma matéria com o depoimento de 5 chargistas brasileiros a respeito da charge no século 21. Abaixo segue breve descrição, com o link para você ler os depoimentos.

"Vinte e cinco anos após o fim da ditadura no Brasil e tendo a política em voga com o período de eleições, a Continuum propôs a cinco chargistas brasileiros a seguinte reflexão: 'Sem ditadura e sem censura, para onde se volta o chargista político hoje?'

As respostas são tão variadas quanto os perfis dos chargistas: veteranos como Ziraldo, Santiago e Luis Fernando Verissimo aparecem ao lado de João Montanaro, que aos 14 anos de idade assina a charge política do jornal Folha de S.Paulo. Também há depoimento de Elias Monteiro, chargista do jornal Diário de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul. Eles contam sobre o que você vai rir - ou chorar - amanhã."
[continue lendo]

domingo, 3 de outubro de 2010

PRESS RELEASE


O Brasil abre as portas para o Jornalismo em Quadrinhos

O Goethe-Institut Porto Alegre e a Feira do Livro de Porto Alegre serão o palco de um evento inédito: trata-se do I Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos. Durante os dias 28, 29 e 30 de outubro de 2010, quatro convidados nacionais e dois convidados da Alemanha estarão na capital gaúcha para debater a origem e os rumos desse novo gênero jornalístico. Haverá ainda uma mostra internacional de reportagens em quadrinhos, além da exposição "Comics, Manga & Co. - A nova cultura de quadrinhos alemães", dentre outras atividades. Algumas palestras serão transmitidas via web, ao vivo, para todo o Brasil, no blog www.cabruuum.blogspot.com. Também haverá cobertura no twitter @EIJQ.

Os convidados nacionais são: Aristides Dutra, Mestre em Jornalismo em Quadrinhos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Felipe Muanis, jornalista, ilustrador e professor da Universidade Federal Fluminense; Gilmar Rodrigues, jornalista, autor do livro-reportagem “Loucas de amor em quadrinhos”, sobre mulheres que se apaixonam por serial killers; e Spacca, desenhista e escritor de quadrinhos históricos. Os convidados da Alemanha são: Atak (Prof. Georg Barber), autor de quadrinhos de vanguarda, e Jens Harder, autor de reportagens em quadrinhos.

A organização é do Goethe-Institut Porto Alegre, em parceria com a Feira do Livro. A curadoria do encontro e da exposição de reportagens é do jornalista Augusto Paim. A programação completa e o currículo dos candidatos está disponível na seção "Eventos" do site www.goethe.de/portoalegre.

O Jornalismo em Quadrinhos – também conhecido como Jornalismo Gráfico – é uma modalidade jornalística relativamente recente. O principal nome do gênero é Joe Sacco, jornalista maltês que faz livros-reportagem em quadrinhos sobre conflitos étnicos.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Para todos os gostos

O artigo abaixo, sobre a diversidade cultural dos mercados públicos brasileiros, foi publicado na belíssima revista Sabores. Trata-se de uma publicação anual sobre gastronomia e história.

***

"Para todos os gostos

por Augusto Paim

Em terras onde se respira ares democráticos, tudo é passível de virar uma acalorada discussão, um debate minimamente interessante. Ou quase tudo: não se discute a necessidade de discutir, por exemplo.

Há também outros temas geralmente banidos das rodas dos conversa, como nos lembra o dito popular:

Gosto não se discute!

Para muita gente, não se discute religião, política, sexo. Afinal, são questões de gostar, não de escolher. Como o estilo da roupa que você usa, o seu corte de cabelo, a sua igreja, o time que você torce, as suas preferências alimentares. Gosto não se discute porque, se não é sempre inato, é muitas vezes aprendido nos primeiros anos de vida, nas mais sólidas relações que compõe a estrutura familiar de cada indivíduo, ou por força de experiências muito particulares. O gosto pode mudar com o tempo, é claro, pode amadurecer, aperfeiçoar-se, mas a base dele está aquém das coisas que dependem de escolhas. É, na maioria dos casos, cultural: você não escolhe o gosto, ele é que escolhe você.

Um primeiro significado da palavra “gosto“ diz respeito especificamente a sabor, e quer marca mais característica de uma cultura do que a culinária típica da região? Quem compreende a necessidade do gaúcho pelo chimarrão, bebida de gosto amargo? Ou o baiano e seu apimentado acarajé? A cultura regional é um conjunto de gostos compartilhados, diria-se mesmo “ensinados“.

Por serem redutos de preservação – e transformação, pois tudo se transforma – de todos esses gostos, os mercados públicos têm muito o que dizer.

O gosto arquitetônico

Viesse uma enchente e mergulhasse sua cidade na água, um único prédio restasse para garantir a preservação da História e das histórias (a sabedoria popular, os causos), qual prédio seria? Algum museu? A prefeitura?

O mercado público! Afinal, tudo ali se encontra e ali todos se encontram. A variedade de produtos expostos nas barraquinhas é a marca gastrônomica da cidade. Os sotaques que se escutam nos corredores e os rostos das pessoas são o retrato vivo da miscigenação. O próprio prédio é um registro das transformações históricas.

Talvez por isso os mercados públicos sejam à prova de enchente. A quem interessar, vale fazer uma pesquisa sobre essa estranha coincidência unindo mercados públicos de diferentes partes do Brasil. Como o de Porto Alegre, cuja resistência à enchente de 1941 mereceu até uma placa na entrada da Ala Sul. Outra coincidência: boa parte dos edifícios têm estilo arquitetônico “eclético“, uma marca da cultura brasileira como um todo, que não se identifica nunca com uma coisa só. Voltando ao exemplo de Porto Alegre: quando o mercado público foi inaugurado, em 1869, tinha estilo neoclássico. Era composto por um único andar e havia sido construido no porto, entre duas docas, onde atracavam embarcações tranzendo peixes e mercadorias. Hoje essas docas deram lugar à prefeitura e a um terminal de ônibus, construídos sobre aterros. Em 1912, após um incêndio que quase acabou com tudo, foi construído o segundo andar, e hoje o prédio tem até escada rolante. Assim como outros mercados públicos, o de Porto Alegre traz, em suas entranhas, a memória de outras épocas, de diferentes momentos e estilos, e mantêm-se aberto ao presente e ao futuro.

O gosto da diversidade

Comida tem gosto e tem cheiro, e nesse sentido os mercados públicos são pratos cheios. No de Florianópolis, a peixaria e a brisa à beira-mar dão um aroma todo especial. Há opções para todos os gostos: caranguejo, anchova, tainha, pirão; chope gelado, caldo de cana; bolinho de bacalhau, omelete de camarão; e sucos de uma variedade imensa de frutas.

Entrar no mercado, em Florianópolis ou em qualquer lugar do Brasil, é mergulhar na diversidade.

O Bazar Mansur, loja inaugurada em 1947, é fruto da imigração libanesa na ilha, numa época em que ainda não se falava em globalização. E o mercado hoje tem comida italiana e culinária oriental. E tudo que um turista espera encontrar em Florianópolis.

Em São Paulo, tem o famoso pão com mortadela. No Mercado Modelo, em Salvador, tem tapioca. Em Aracaju, carne de bode ou até mesmo de caranguejo – servida numa tigela de barro, pronta para comer, ou com um martelinho de madeira para que você mesmo possa extrair a carne.

Em tempos em que os alimentos orgânicos ganham importância, os mercados públicos permanecem comercializando produtos de origem. Com isso, preserva-se o processo inteiro, a cadeia de produção com sua história e características, não só o resultado. E preserva-se porque é artesanal, é comércio e cultura ao mesmo tempo, sem estar atrelado a nenhuma moda.

Não importa onde se esteja, o mercado público de qualquer cidade mostra sempre essa mistura do mundial com o regional, do preservado com o novo.

O gosto das histórias

Mercados públicos são ambientes de efervescência humana, cultura viva. Só em Porto Alegre, são 120 mil visitantes por dia. Pessoas que vêm e vão, que passam, mas que também interagem com o local, contam, escutam e vivem histórias.

Na capital gaúcha, eram frequentadores do mercado público o poeta Mário Quintana e o músico Lupicínio Rodrigues, esse último famoso pelas batucadas na caixinha de fósforo e pelo papel que pedia emprestado no Bar Naval para escrever as letras de suas músicas.

Em Florianópolis, tem a história de um gato que sobreviveu a um incêndio escondendo-se dentro de um freezer. Em Porto Alegre, um homem acordou do coma e a primeira coisa que perguntou foi: “a banca 40 ainda existe?“

Os mercados públicos são legados de histórias, e também da própria História. O de Florianópolis, por exemplo, teve sua localização determinada numa disputa entre dois grupos políticos, no início do século XIX. Na última reforma do Mercado Público de Porto Alegre, as escavações permitiram a descoberta de uma câmara escondida: acredita-se que poderia ser o início de um antigo túnel ligado à prefeitura, servindo como rota de fugas políticas, ou também um depósito de escravos.

Os mercados públicos comercializam mais que produtos, comercializam bens culturais, que, em certa medida, são bens duráveis, mesmo que em constante mutação. E a preservação nesses lugares é espontânea: o que fica é porque tem que ficar, porque resiste em meio ao dinamismo e à novidade.

Mercados públicos são fortalezas de portões abertos aos povos, com opções para todos os gostos. Por preservarem, merecem também ser preservados.

E isso também é indiscutível."

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Diário de bordo, parte 2: a apuração

Ontem recebi uma notícia inusitada: o Esporte Clube Juventude, time de futebol que foi pauta da minha reportagem em quadrinhos, acaba de ser rebaixado para a Série D do Campeonato Brasileiro. Em 2007, o time estava na Série A.

Essa notícia é o mote para a segunda parte do meu diário de bordo, com reflexões práticas sobre o processo de fazer a reportagem em quadrinhos "Juventude: tempo de crescer".

(Se você não leu a primeira parte, cutuque aqui.)

A apuração

De maneira geral, posso dizer que a apuração de uma reportagem em quadrinhos tem pouca coisa de diferente da apuração de reportagens impressas convencionais. Pelo menos no que toca à experiência que tive com a minha primeira reportagem em quadrinhos.

Cheguei na cidade de Caxias do Sul, na serra gaúcha, no dia 1º de junho, uma terça-feira. Antes de ir, eu já havia pesquisado em linhas gerais a história do clube, como é de praxe - melhor já ir sabendo algumas coisas, de modo a usar o tempo de apuração para aprender outras. Ao chegar em Caxias, porém, tratei de já ir ao Estádio Alfredo Jaconi. No primeiro dia, meu objetivo foi unicamente me situar. Fiz uma visita guiada pela sala de troféus e pelo estádio. Nisso contei com a prestatividade dos funcionários do clube. O assessor de imprensa também me passou os contatos de algumas pessoas com quem eu pretendia conversar: jogadores, dirigentes, funcionários, torcedores, historiadores etc.

Para mim, o primeiro dia de apuração normalmente é isso mesmo: cruzamento de informações, reconhecimento do cenário e da cronologia da pauta, percepção de quem são os principais personagens e quais são os principais eventos da história que eu vou contar, e por aí vai. Também aí começa a edição: posso dizer que nesse primeiro dia já me ocorrem ideias sobre como editar a reportagem, embora eu esteja sempre pronto a descartá-las no dia seguinte conforme o andamento da apuração.

Na quarta-feira, passei mais algumas horas no estádio, apurando e já fazendo algumas entrevistas. Voltei lá na quinta-feira, e fiz outras tantas. E na sexta-feira de manhã, enquanto esperava a chegada da desenhista Ana Luiza Goulart Koehler, colhi os últimos depoimentos.

Essa é uma questão importante, a presença da desenhista. Desde o início, eu levantei a bandeira de que o desenhista é tão importante no momento da apuração de uma reportagem em quadrinhos quanto o jornalista. Afinal, eu busco uma narrativa original em quadrinhos, não uma adaptação de uma reportagem feita em outro formato. A diferença entre esses dois pólos - uma reportagem em quadrinhos e uma reportagem ilustrada - é sutil, mas existe. E manifesta-se principalmente durante a apuração.

Afinal, no jornalismo em quadrinhos a imagem traz tantas informações quanto o texto. Informações visuais e ambientação são, inclusive, muitas vezes liberados do texto para ir para o desenho. Sobre isso, vou falar melhor em outra parte deste diário de bordo. O importante é que, tendo em vistas essas minhas convicções, o desenhista precisava estar lá comigo para acompanhar os detalhes visuais da apuração, de modo a fazer desenhos mais fidedignos.

Em função de compromissos, a Ana só pôde me encontrar lá na véspera do meu retorno a Porto Alegre. Durante a semana, eu procurei tirar o maior número de fotos possíveis para embasar o trabalho dela, e nisso senti bastante dificuldade. Eu preferiria estar concentrado apenas na apuração, e a necessidade de fazer registros visuais me desconcentrava bastante - imagino o drama vivido pelos repórteres "abelhinhas", jornalistas de televisão que fazem toda a reportagem sozinhos, inclusive montando a câmera num tripé. Enfim, resumindo: eu preferiria que o desenhista estivesse lá comigo cuidando dessas questões. Como não foi possível, tivemos que adaptar.

Na sexta-feira, 4 de junho, a Ana foi ao meu encontro. Como eu sabia que ela viria, reservei a tarde para revisitar com ela alguns cenários importantes da pauta. Apesar de estar chovendo bastante, a Ana concordou que a presença dela lá, vendo com os próprios olhos o que eu vira nos últimos dias, dava a ela mais informações para desenhar. Porque uma foto nem sempre dá a sensação de profundidade e dimensão do espaço que o nosso olho percebe.

Ainda na sexta-feira, durante o almoço, expus para a Ana o que eu tinha apurado até ali - a história do Juventude e a narrativa do seu fracasso nos últimos anos. Juntos fizemos uma pré-edição da reportagem, uma espécie de decupagem dos assuntos apurados já pensando na sua distribuição nas páginas. Vou falar melhor sobre isso mais adiante, em outro tópico deste diário de bordo.

Antes de concluir, outro aspecto importante sobre a apuração - aspecto, no entanto, não exclusivo de reportagens em quadrinhos. Refiro-me à questão da tese que o jornalista leva para a apuração. Isso geralmente é apontado como algo ruim, quando diz respeito a uma tentativa do jornalista de manipular a realidade apurada para que o resultado confirme sua tese inicial. Eu confesso: eu tenho minhas teses quando vou para a rua. No entanto, a apuração é para mim um processo de questionamento dessas teses, onde pode haver modificações, ou confirmações, ou mesmo formulação de outras teses.

No caso dessa reportagem em quadrinhos, por exemplo, eu pensava que encontraria no clube um clima de abatimento, haja vista que o clube havia sido rebaixado para a Série C em 2009, depois de dois anos disputando a série B e, antes disso, treze anos seguidos disputando a Série A. Essa era a minha tese: o clima deve estar ruim no clube. No entanto, chegando lá, encontrei justamente o contrário: estavam todos muito motivados, esperançosos com a melhora do time. Se o Juventude não voltasse para a Série B em 2011, voltaria no ano seguinte. A ambição - mirabolante para alguns, razoável para outros - de comemorar o centenário do clube, em 2013, na Série A, parecia ser um fator motivador. Mas havia outras coisas e, de fato, no processo de apuração fui entendendo o porquê disso. Há explicações para os dois rebaixamentos do clube, depoimentos de torcedores e funcionários falando dos erros cometidos pelas gestões anteriores. Como em 2010 retornou à direção do clube a gestão responsável pelos maiores títulos do Juventude, era de se esperar que os erros fossem consertados. Daí a esperança.

O que encontrei lá, portanto, não foi um clima de abatimento, mas ao contrário: bastante otimismo e motivação. E eu estaria sendo injusto se, na reportagem, não relatasse isso.

Eu gosto bastante das reportagens que me fazem reformular minhas teses. Assim, no plural, porque nunca é uma única tese, e geralmente quando estou apurando estou também em constante avaliação das informações e de suas implicações, o que gera novas teses. Mas muitas vezes há uma tese geral, e essa tese geral é preponderante justamente por ser óbvia, previsível, resultado de operações lógicas. E quando essa tese é desconfirmada, desconfirma-se também os mecanismos da previsão. Nesses casos, sempre fico com a sensação de que a pauta cresce: afinal, por que não ocorreu o óbvio? O fato de o óbvio não ter ocorrido é a nova pauta, geralmente inusitada.

De modo que acho importante o jornalista ter suas teses, desde que durante todo o processo continue sendo apenas isso - uma tese, uma hipótese, algo a ser confirmado ou, conforme o caso, descartado. Considero negativa a tese que se impõe, ignorando a realidade e quase dispensando a apuração. Mas se o jornalista encara a tese como um processo em movimento, periga até fazer bem para a pauta.

(Continua.)

***

Ps.: a Ana Koehler escreveu seu próprio relato sobre o processo de fazer essa reportagem em quadrinhos. É muito interessante ter esse outro lado, a visão do desenhista, inclusive abordando a pesquisa realizada para se fazer os desenhos, que eu não pretendia abordar aqui. Ainda que a Ana já tenha avançado no post sobre outros aspectos da reportagem - aspectos que pretendo tratar mais adiante - recomendo a leitura. Cutuque aqui.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Tragicomédia da morte

O jornal Zero Hora publicou hoje, no caderno ZH Moinhos, uma crônica minha. Segue abaixo:

"Uma morte tragicômica


Vejo com bons olhos a ideia de erguer o braço na faixa de pedestre os mesmos bons olhos que, se os carros não parassem, seriam fatalmente privados de ver qualquer outra coisa.

Isso quase ocorreu comigo, há alguns meses, numa das ruas mais difíceis de atravessar em Porto Alegre. Quando os carros vêm da Protásio Alves e entram na Mariante, o pedestre precisa ser ágil e oportunista na corrida para alcançar a outra margem. A faixa de pedestre que existe ali é como uma ponte de cordas sobre um desfiladeiro. Não é à toa que esse é um dos pontos mais frequentados pelos agentes da campanha de respeito à faixa de segurança.

Eu pretendia alcançar o canteiro central embaixo do Viaduto da Silva Só. Percebi que a espera seria eterna e deixei o braço tal qual uma cancela. Um carro parou. Atravessei a rua caminhando tranquilamente sobre a faixa, o olhar firme, queixo erguido, satisfeito por ter contribuído com um gesto físico e simbólico para uma maior conscientização do trânsito na Capital. Pouco antes de pisar no meio-fio, porém, um carro passou ao lado do que parara e, ignorando a faixa de pedestre, zuniu o motor barulhento pela pista livre. Juro que senti um deslocamento de ar na canela. Subi na calçada e olhei para a direita. Para minha surpresa, um fusca rosa afastava-se em alta velocidade em direção à Goethe.


Assim como aquele carro, a vida não para, e no caminho até em casa pensei nas implicações do caso: se o veículo tivesse me atingido, seria um acontecimento insólito. Quem espera morrer assim? Viver uma vida séria e, de repente, ter um obituário com ar de comédia publicado no jornal do dia seguinte: “um homem morreu ontem, na Capital, atropelado por um fusca cor-de-rosa.“ Para um humorista, entretanto, seria uma morte coerente, talvez até mesmo digna. Não deixaria de ser trágica, como a morte geralmente é, mas teria também um pouco de humor. Uma última piada, para os outros rirem.

De certa forma, a lógica do fusca rosa impera no trânsito brasileiro. Há muito tempo, a morte por atropelamento não é mais encarada como uma tragédia se é que algum dia o foi. Ao abrir o jornal, o leitor depara diariamente com números que quantificam essas mortes, transformam-na em rotina, banalizam-nas. O banal é o meio termo entre a tragédia e a comédia. Portanto, quem duvida que, no futuro, essas mortes cheguem ao cúmulo de provocar risos?

Na dúvida, estique o braço para impedir."

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Nostalgia

Revendo os primeiros posts deste blog, cheguei a uma nostálgica e triste conclusão: eu era mais engraçado na Alemanha.

domingo, 5 de setembro de 2010

Você viu a capa de hoje do principal jornal de...

... Moscou? Ou de Tóquio? Dublin? Cairo? Quito?

Não é pergunta maluca. É que o Newseum, museu de Washington, Estados Unidos, mantém este espaço virtual aqui, onde é possível ver a capa dos principais jornais do mundo, em todos os continentes. Detalhe: você vê sempre a capa do dia, ou seja, o site é atualizado diariamente.

Muito interessante. Ainda não descobri a utilidade, mas é algo que entretém.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Poesia no apartamento

Tem gente que antipatiza com a tal da Crítica Genética - ramo da teoria da literatura que analisa as influências da biografia do autor em sua obra. Eu, ao contrário, simpatizo.

Especialmente no caso do "Poema no Apê". Eu recém me mudara de Santa Maria/RS para Porto Alegre/RS, da cidade do interior para a capital; recém abandonara a casa dos pais para morar sozinho numa kitnet, quando, em 2007/2008, escrevi estes versos:

I

Que linda a louça na pia,

limpinha!

Até parece que se lavou sozinha...


Até hoje não recebi o devido (ou indevido) reconhecimento poético, mas sei que aos 97 anos de idade ainda abrirei um sorriso no rosto ao ler esse poema. A mim parecerá até obra de outra pessoa: e continuará assim cheio de poesia e significado. Mesmo que caia no esquecimento, eu dele lembrarei. Como lembrei no sábado à noite. Poesia da realidade.

II

Que pena da roupa no varal

o vendaval a secaria

mas em vez da calmaria

veio novo temporal

Diário de bordo, parte 1: a pauta

Dou início hoje a uma série de postagens com relatos e reflexões a respeito do processo de produção da reportagem em quadrinhos "Juventude: tempo de crescer". Como Jornalismo em Quadrinhos é um gênero novo, que carece de estudos e práticas, acredito que minha experiência na área pode contribuir, nem que seja para gerar discussões.

Se surgir alguma dúvida ou questão que eu não previ, por favor, não hesite em escrever, via comentário.

Hoje vou falar sobre:

A pauta

fazia um tempo que eu azucrinava o editor da Continuum, revista bimensal sobre arte e cultura do Itaú Cultural, para que me deixasse fazer uma reportagem em quadrinhos. Você sabe, Jornalismo em Quadrinhos é algo muito novo, muita gente não sabe nem o que é (até mesmo quadrinistas e jornalistas têm dificuldade de definir o tema com precisão). Meu trabalho final na faculdade de jornalismo, que concluí em 2007, na UFSM, foi sobre Jornalismo em Quadrinhos. Desde então, eu vinha fazendo reportagens em prosa para a Continuum, e volta e meia eu trocava emails falando sobre meu interesse no quadrinho de caráter jornalístico. Pois bem, no ano passado eu e o Marco Aurélio Fiochi, um dos editores da revista, chegamos a falar a sério sobre a possibilidade de eu fazer uma reportagem em quadrinhos. Não fomos adiante, por questões técnicas.

No entanto, aquela conversa foi uma semente que eu esqueci que havia plantado. Eis que, no dia 25 de maio de 2010, para minha surpresa, recebi este email da Mariana Lacerda Gonçalves, coeditora da revista:

"Oi, Augusto, como está??? Bom, o Marco me falou que você tem uma ideia de fazer uma reportagem em formato de HQ. Nós gostamos muito da ideia e achamos que ela pode se encaixar na próxima edição, sobre futebol. A ideia central da pauta seria acompanhar dois ou três dias de treinos de uma equipe que caiu, que foi da primeira divisão e que hoje está na terceira, quarta divisão (será que em Porto Alegre existe alguma??). A narrativa dessa reportagem estaria contada via quadrinhos."

Ao ler o email, aumentou a quantidade de adrenalina no meu sangue. Explico por quê. Eu sempre defendi, observando as reportagens em quadrinhos que estavam sendo publicadas, que existem pautas adequadas ou não ao formato de quadrinhos. Isto é: existe a pauta boa para TV, a pauta de rádio, a pauta de impresso, todo estudante de jornalismo sabe disso. Ou, no caso de ser a mesma pauta, no mínimo a abordagem muda em função do meio em que a história será contada. que se estudar, então, os aspectos da linguagem dos quadrinhos que permitam delinear em que sentido uma pauta pode ser boa ou não para esse formato.

Isso não é mera divagação. Entre as autodenominadas reportagens em quadrinhos que vi publicadas, muitas me pareceram meras reportagens ilustradas (ou seja, aspectos como fluência e harmonia entre texto e imagem, importantes nos quadrinhos, não foram cuidados). Outras eram uma simples adaptação de reportagens feitas originalmente para outro formato, o que acusa uma visão rasa de jornalismo em quadrinhos: apenas uma forma de amenizar temas complicados (e não de aprofundar, que é como eu vejo). Muitas outras reportagens eram até bem intencionadas, tinham um conteúdo sério, pensado originalmente para quadrinhos, mas não havia o cuidado com a linguagem: o texto não pode ser excessivo, e o desenho tem que veicular informações e estar apegado à realidade tanto quanto o texto (senão, não é jornalismo).

Pensamentos como esse sempre me surgiam ao ver um novo trabalho sendo publicado, e me pareceu que uma reportagem em quadrinhos sobre um clube de futebol seria uma oportunidade perfeita para -los em prática - ou, devido à natural distância entre pensamento e ação, pelo menos testá-los. Em primeiro lugar, porque tem o aspecto visual do futebol, com muitas nuances e possibilidades de ser explorado na narrativa em quadrinhos. Também a expressividade dos desenhos, ótima para pôr no papel as emoções ligadas ao futebol. E, por se contar um tema pouco festivo - a derrocada de um time - abriu-se a chance de fazer uma reportagem humanizada, cuja linguagem dos quadrinhos contribuísse para a eficácia do trabalho jornalístico.

No email que respondi à Mariana, sugeri o Esporte Clube Juventude como case para a pauta. O Ju, como também é chamado, foi campeão da Copa do Brasil e disputou a série A do Brasileirão durante 13 anos, então é bastante conhecido no país inteiro. E vem passando momentos difíceis: no ano passado, foi rebaixado para a série C. Sem falar que o clube fica em Caxias do Sul, cidade localizada a 120 km de Porto Alegre, o que facilitava o deslocamento.

Fechamos a pauta. Próximo passo: achar o(a) desenhista. Indiquei como primeira opção a Ana Luiza Goulart Koehler, porque conheço e admiro o trabalho dela um bom tempo. O Itaú Cultural entrou em contato com ela; email vai, email vem, eles fecharam. Ficou definido ainda que os quadrinhos seriam em preto-e-branco, devido aos prazos (o dead-line para a reportagem finalizada era dia 1º de julho, e uma reportagem colorida demanda muito mais tempo). Também acertamos que seria uma história de 6 páginas

A partir daí, precisei organizar alguns tópicos sobre a forma de abordagem da pauta. Os meus objetivos passaram a ser:

1) contar a história do Esporte Clube Juventude

2) descobrir, dentro do possível, os motivos que levaram ao duplo rebaixamento do clube

3) relatar como é o astral do clube hoje, tendo em vista os recentes insucessos (parece óbvio que eu não encontraria um bom clima, mas, como vou comentar em outro post, deparei-me justamente com o contrário)

4) organizar todo o conteúdo decorrente da apuração de uma forma adequada à linguagem dos quadrinhos, justificando a escolha desse formato

5) dar um tratamento humanizado à pauta, ou seja, nada de exploração de tragédias alheias nem de otimismo do tipo "pra frente, Juventude!" - o que eu tinha em mãos era a possibilidade de contar uma boa história de sucessos e fracassos, coisa que diz respeito a todos os seres humanos.

Organizada a pauta, arregacei as mangas e comecei a apuração.

Mas isso é assunto para outro post.

(Continua.)