"Porque as línguas, minha boa amiga, são apenas instrumentos do saber - como instrumentos de lavoura. Consumir energia e vida na aprendizagem de as pronunciar tão genuína e puramente, que pareça que se nasceu dentro de cada uma delas, e que, por meio de cada uma, se pediu o primeiro pão e água da vida - é fazer como o lavrador, que em vez de se contentar, para cavar a terra, com um ferro simples encabado num pau simples, se aplicasse, durante os meses em que a horta tem de ser trabalhada, a embutir emblemas no ferro e esculpir flores e folhagens ao comprido do pau. Com um hortelão assim, tão miudamente ocupado em alindar e requintar a enxada, como estariam agora, minha senhora, os seus pomares da Touraine?"
Na mesma fictícia carta, Fradique Mendes, personagem de Eça, argumenta que querer dominar a pronúncia de uma língua é um ato anti-nacional e anti-identitário. O trecho é cômico, claro, e obedece às dinâmicas internas de caracterização da personagem. Ou seja, não deve ser levado ao pé da letra. Mas não deixa de ter um fim terapêutico para aqueles que se angustiam com essa difícil parte do processo ainda mais difícil de se aprender uma língua.
Um comentário:
E as crianças mesmo assim aprendem copiosamente uma língua. Aprendem, quase uma conversão para a linguagem dos adultos, abandonando aos poucos o brinquedo, assumindo a face mais fria do mundo. Nós brasileiros adoramos a língua, brincar com seus significados, aproximações vernaculares, e outras cositas advindas do funk carioca, con mucho gusto! Talvez nessa invasão caricata, tirar um sorriso leve e inconformado em uma caminhada na Floresta Negra (Schwarzwad) com amigos turcos que começam uma tradição Alevi na Europa. Toda a língua parece ser coisa de criança para mim. Problema é quem pensa sério demais.
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