Sempre há muita coisa para dizer, e normalmente esqueço, principalmente agora que uso internet só 2 ou 3 vezes por semana, em lan house. A partir de janeiro talvez tenha internet em casa, então escreverei mais vezes neste blog.
Agora, porém, faço uma tentativa de registrar num único post boa parte das observações, histórias e peculiaridades que vi e vivi até agora.
As casas e os jardins
Quando cheguei na Alemanha, me pareceu que todas as casas eram quase iguais. Comentei isso com a Christine, minha anfitriã. Ela disse que não, não eram todas iguais. Argumentei que o estilo é o mesmo em quase todas elas: tijolos a vista, dois ou três andares, com jardins bem cuidados.
Agora, porém, faço uma tentativa de registrar num único post boa parte das observações, histórias e peculiaridades que vi e vivi até agora.
As casas e os jardins
Quando cheguei na Alemanha, me pareceu que todas as casas eram quase iguais. Comentei isso com a Christine, minha anfitriã. Ela disse que não, não eram todas iguais. Argumentei que o estilo é o mesmo em quase todas elas: tijolos a vista, dois ou três andares, com jardins bem cuidados.
Depois a Christine me explicou que, alguns anos atrás, havia uma lei regulamentando que aparência as casas deveriam ter, um projeto ligado ao paisagismo urbano. Alguém se deu conta porém que era uma bobagem o Estado gerir os gostos das pessoas, e essa lei não existe mais. Por isso já há algumas casas amarelas, por exemplo.
Vale ainda dizer que é impressionante que quase todas as casas, praticamente sem exceção, têm um belo jardim na frente. Parece que há uma preocupação muito grande com isso.
No Brasil, essa não é a norma. Enquanto uma casa pode ter uma frente linda, outra pode ser só grama, e outra um matagal.
Gato consciente
Acredite se quiser, esses dias eu andava pela cidade, quando vi um gato atravessando a rua. Aparentemente um fato banal, como eu mesmo pensei na hora. De repente, porém, me dei conta que ele atravessava na faixa de segurança.
Onde estava a máquina fotográfica nessa hora? Naturalmente, em casa. Até pensei em montar uma foto mais tarde, com um gato qualquer, mas não seria a mesma coisa. Perdi uma baita foto.
O automatismo das coisas
Uma das primeiras observações que fiz quando cheguei na Alemanha é que há muito mais automatismo na vida cotidiana, nos afazeres domésticos. Quase todas as casas têm, por exemplo, uma máquina de lavar louça, e os apetrechos para usar no aparelho são vendidos em todos os supermercados em abundância. Dentro de casa, tudo é mais fácil de fazer. O esfregão pra limpar o chão tem um mecanismo (não-eletrônico) em que você pisa e o pano está solto, não há necessidade de se abaixar. A cafeteira da casa da Christine funciona com uns envelopes prontos, na medida certa para uma ou duas xícaras, que você só põe na máquina, liga, escolhe a quantidade e espera (isso não existe, porém, em todas as casas).
Cortar grama aqui é de uma facilidade absurda. Mesmo na casa da Christine, com um jardim gigante e uma máquina velha. A grama cai dentro dum saco e você leva com um carrinho de mão para jogar fora. E existem máquinas novas bem melhores, em que você até corta a grama sentado.
Nos supermercados, há máquinas para coletar garrafas plásticas. Você põe ali no buraco, um laser reconhe e puxa. Se é de material diferente do que se coleta, a máquina devolve. Ao fim, você aperta o botão e recebe ¢ 0,25 por garrafa para usar em compras.
A maioria dos aparelhos eletrônicos que se usam aqui existem também no Brasil. A diferença é que na Alemanha quase todo mundo tem, ao passo que, no Brasil, só uns poucos privilegiados. E não que se trabalhe menos aqui não, muito pelo contrário. Apenas o trabalho é otimizado e se faz muito mais coisa em menos tempo.
Kaputtes Auto
Indo jogar a grama fora, encontrei este carro abandonado no meio do matagal:
Fiz questão de fotografar porque, além de uma ótima composição, as imagens sucintam várias perguntas. Como o carro foi parar aí? A quem pertencia? Há quanto tempo está abandonado? O que aconteceu com as pessoas que estavam nele? Sem falar nas metáforas e oposições, tipo produto humano x natureza.
E por aí vai…
Sem vitrines
Uma das coisas mais curiosos da região onde moro agora e, portanto, também da cidade de Haselünne, é que por trás de uma porta qualquer na rua, pela qual você não dava nada, pode existir um supermercado, uma biblioteca ou um restaurante. Bem assim: está escrito apenas o nome e o tipo de estabelecimento na porta, então você entra e, SUPRESA!, o lugar é grande, aconchegante, bem cuidado.
Praticamente todo dia descubro um lugar diferente desse mesmo jeito aqui em Haselünne. A última surpresa foi uma loja de departamentos, no sábado. O detalhe é que a loja é enorme, não dá pra entender como há lugares assim numa cidade de só 13 mil habitantes. Loja do mesmo tamanho só há em grandes cidades no Brasil.
Esses dias me dei conta que uma explicação para esse estranhamento pode ser a ausência de vitrines ou, na maioria das vezes, um vitrine pequena. Ou seja, antes de entrar, não vemos bem o que tem dentro do lugar. Daí a surpresa. E por que as vitrines são assim, quando existem? Taí algo que ainda preciso descobrir. Mas me dei conta agora que também quase não existe publicidade nas ruas por aqui. Deve haver uma lei regulamentando tudo isso.
Verein
Existe na Alemanha algo fácil de entender (se você está aqui), mas difícil de explicar. Chama-se Verein. É tipo um clube, onde amigos se juntam para praticar determinada atividade física ou cultural. Praticamente não existe possibilidade de praticar esportes fora desses lugares, essa é uma diferença fundamental em relação ao Brasil.
Vou pegar como exemplo a Sport Verein Eltern, onde treino futebol. Tem dois campos de futebol 11, onde treinam gente de todas as idades, em horários diferente para cada faixa etária. Depois do treino, os adultos bebem cerveja e fumam, se fumante são. Se não, só aspiram a fumaça.
São normalmente dois treinos e um jogo por semana. Sim, pois há campeonatos regulares entre as Verein, tudo muito bem organizado.
No Brasil, eu só teria oportunidade de jogar futebol de campo se eu tivesse mais 21 amigos com a mesma vontade de jogar que eu ou se eu quisesse ser jogador. Se você não é mais adolescente, é muito difícil treinar por treinar, os clubes de futebol são chamados de Escolinhas porque você está lá sempre para aprender algo. Então, se você passou da idade, você faz assim: convida mais um par de amigos, reserva uma quadra, e joga salão ou sete, variando o grau de dificuldade e estresse pra quem está organizando tudo e precisa ligar pra todo mundo e lidar com os pepinos de última hora, como o cara que não vai mais jogar e não avisa. Enfim, se há uma turma fixa, é possível jogar sempre, com regularidade, mas isso não é muito comum. Aqui é o contrário, já está tudo organizado. Você só vai lá e treina. No fim, bebe cerveja, como no Brasil.
Sendo hostil sem querer
É possível ser antipático na Alemanha sem o saber. Pois a Christine me contou outro dia que não é muito amigável ficar de jaqueta dentro da casa de outra pessoa, quando se é visita. Você deve estar se fazendo agora as mesmas perguntas que eu me fiz quando ela me falou isso. Eu estava com uma jaqueta jeans na hora.
Uma explicação que bolei é esta: quase todas as casas aqui tem um sistema de aquecimento interno (sim, porque aquecer o lado de fora da casa daria muito trabalho), então você não passa frio. Se você permanece de jaqueta dentro de casa, mesmo que jeans, é como se você dissesse que o aparelho não está funcionando direito.
Pensando bem, não procede. A Christine disse que dá para vestir um pulôver dentro da casa de outra pessoa. Agora, por que um pulôver, e uma jaqueta não? Vai entender.
A tevê
Paira um mistério sobre o modo como funcionam as redes de televisão na Alemanha, um mistério que a Christine, quando tiver um tempinho, ainda vai me explicar. Há muitos canais, muitos mesmos e, pelo que sei, não temos tevê a cabo em casa. O interessante a dizer por hora é que tevê é tevê, praticamente em todo lugar. Quer dizer, aqui tem tantos programas bobos quanto no Brasil. Tem um tipo Márcia Goldschmitt, por exemplo, em que se faz teste de dna quando a paternidade de uma criança é duvidosa.
Tem um outro canal em que à noite passa um programa de adivinhações bem tosco. O telespectador liga e, se acertar, ganha um prêmio em dinheiro. O detalhe é que a moça que apresenta fica com um short minúsculo e as tetas de fora. Apesar da apelação, ontem senti pena da guria. Ela repetia a todo momento que o prêmio havia sido dobrado, que cada ligação dava direito a duas respostas e, se se acertasse as duas, o pagamento seria de dez mil euros. E ela repetia sempre que atenderia somente mais cinco ligações. E repetia mais. E mais. Por quê? Porque ninguém estava ligando. Nunca vi disso. Se fosse no Brasil, choveriam ligações.
Ler faz bem
Desde a primeira semana na Alemanha, leio histórias para as crianças antes de dormir. Em alemão, claro. No início, eu lia um pouco e perguntava: vocês estão entendendo? Iládio, Benedito e Saboor respondiam que sim. E mais, me disseram que eu leio bem em alemão. Fiquei feliz, mas principalmente por que eles entendiam. Pensei: que bom, porque eu não entendo nada do que leio.
É uma situação muito estranha e nova. A Christine disse que com ela acontece o mesmo, ela consegue ler textos em português para outra pessoa, mas não entende o que está lendo. Com o tempo, a gente vai pegando uma ou outra palavra. Ajuda também o fato de eu ler geralmente Märchen, ou seja, contos de fada, que têm uma linguagem mais simples (e são histórias encantadoras, diga-se de passagem). Também tenho lido para mim mesmo o livro Grimms Fairy Tales, então procuro ler mais tarde para as crianças em alemão a mesma história que li em inglês, o que ajuda um pouco.
Outra situação curiosa é estar num lugar onde todo mundo conversa e você não entende absolutamente nada. Comigo, isso acontece após o treino de futebol, quando o povo senta para beber e fumar. Nos outros lugares costumo entender bem as conversas, ou ao menos o essencial. No treino, se eu entendo uma palavra já é uma vitória. Outro dia consegui entender o trecho duma conversa, me senti o máximo. De vez em quando consigo diferenciar o nome duma pessoa de uma palavra qualquer, também. Que tal!
O misterioso caso dos ladrões do lixo
Num final de semana desses, eu e a Christine fomos a um depósito de lixo jogar fora aparelhos eletrônicos velhos. Os depósitos aqui nem de longe lembram os do Brasil. São lugares para triagem de material, reciclagem, sem mal-cheiro e sem seres estranhos. Pois chegamos lá, estava fechado. Ainda lamentávamos o fato quando, por entre a grade, vimos um cara correr e se esconder lá dentro. Talvez mais de um.
A Christine ficou encucada. Uma semana antes eu tinha visto a mesma coisa com o jornalista Manfred. Estávamos em um outro depósito, também fechado, e gente saiu correndo. Ele ficou surpreso, mas não deu muita bola. Já a Christine ligou para a polícia.
Enquanto esperávamos, paramos o carro num lugar mais afastado, escondido. A rua onde fica o depósito não tem saída, portanto veríamos quando os supostos ladrões fossem embora. Cerca de 20 minutos depois, uma kombi verde surgiu na direção contrária, indo ao depósito. Anotamos a placa. Certamente os homens estavam roubando metal, que vale bastante aqui, e a kombi vinha buscar o material. Depois veio outro carro, que voltou bem rápido: era um motorista inocente, que nem nós, que apenas queria deixar algo no depósito. Deve ter se assustado quando viu gente lá.
A seguir, a kombi foi embora, só com o motorista. Achamos que os ladrões deviam estar abaixado lá dentro, caso contrário ainda estariam no depósito. Não quisemos voltar para ver. Ainda esperávamos os policiais, quando outro carro veio. O motorista tinha o rosto encoberto por um boné e óculos escuros, claramente procurando não ser reconhecido. Havia mais gente no carro, e a Christine dizia que eram poloneses, pelo tipo físico. Eu fiquei quieto, não entendo nada disso.
Acho que uma hora depois da primeira ligação da Christine para a polícia, enfim os policiais chegaram. Por uma questão de sorte ou azar, dependendo do ponto de vista, chegaram quase junto com o carro de poloneses, que certamente vinha buscar os comparsas. A Christine falou com os policiais, deu-lhes número de placa e outras informações, e então fomos embora para casa, embora estivéssemos curiosos para saber se era tudo imaginação nossa ou era mesmo verdade.
Dias mais tarde, soubemos que a polícia prendeu duas pessoas depois que saímos. Ajudamos a resolver o caso.
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