quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Fröhlich, happy, feliz!

Coisa boa quando você trabalha arduamente num projeto durante meses, e ele é reconhecido. Ainda mais quando você trabalha como tradutor, produtor de evento, curador, assessor de imprensa e por aí vai, tudo ao mesmo tempo.

"Você" é força de expressão. O que eu quero dizer, de uma maneira bem antibudista, é "eu". Ou "nós", porque nunca se faz nada sozinho nessa vida. Sozinho é apenas quem acha que faz tudo sozinho.

Mas "você" entende isso tudo o que eu estou querendo dizer ao ler o antepenúltimo parágrafo desta reportagem na Rolling Stone Brasil. Claro que pode ler toda, também. E ler o livro que eu traduzi, claro!

Se ler não bastar, você pode ver fotos da função toda aqui!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Glória e glamour, as moedas do jornalista

Certa vez ouvi num congresso a célebre expressão "síndrome da sobreloja" pra explicar algo que acontece com frequência entre jornalistas: "começou a subir, começa a dar uma vertigem..." Sim, o sucesso facilmente sobe à cabeça.

Por outro lado, eu tenho acompanhado um processo perverso alimentado pela mesma dinâmica, mas por parte das empresas. É comum (não só comigo) receber propostas de jobs num valor abaixo do previso pelo sindicato dos jornalistas profissionais do RS (vide tabela, algo que todo jornalista deveria ver, por respeito a si mesmo e à profissão). Acompanhado do valor pífio (que às vezes me dá vontade de ser marceneiro ou pintor ou montador de móveis, que dá muito mais dinheiro), vem a seguinte frase: "mas o trabalho é pra revista/editora/empresaX, o que é muito bom para o currículo..."

Se essa ideia pudesse ser usada em outros campos das nossas relações, seria muito boa. Eu adoraria chegar pra empresa de energia elétrica e dizer: "quem sabe vocês me liberam de pagar a conta, já que eu sou jornalista da revista/editora/empresaX...?"

Tanto há jornalista que vive de glamour quanto há empresas que querem pagar jornalistas apenas com glamour. Daí que jornalista que tem consciência do valor do seu trabalho e das contas a pagar, se vê em maus lençóis.

***

Uma outra questão interessante da profissão ligada ao mesmo tema: há dois anos, fui entrevistar um conhecido jogador de futebol. Conhecido mesmo. Não cito nomes para evitar constrangimentos.

Bueno, fui quatro vezes na mesma semana, quatro dias seguidos, até o estádio, pegando dois ônibus na ida e dois na volta, na tentativa de chegar até o bendito craque. No primeiro dia, depois de duas horas de pé esperando acabar o treino, consegui o contato com ele praticamente me jogando na frente do carro (não lembro a marca, mas era um carrão). O craque pediu para eu falar com o assessor dele.

No segundo dia, vacinado, combinei tudo com o assessor, antes de ir. Cheguei lá, faceiro e nervoso ao mesmpo tempo. Mas vamos que vamos. Aí, depois dos dois ônibus para a ida, chego lá e o assessor me diz: "bah, hoje não vai dar, o craque vai concentrar agora há pouco... você vem daqui dois dias!"

O assessor tinha meu número de celular e não ligou para avisar. Peguei mais dois ônibus e voltei para casa.

No terceiro dia, tentei conseguir credencial pra ir no estádio como imprensa para fazer imagens do craque jogando uma partida oficial. Peguei dois ônibus. Era noite. À tarde, os responsáveis pelo credenciamento me mandaram ir até o estádio, que lá dariam um jeito. Chegando lá, fui barrado. Nem na arquibancada eu poderia ficar. Só pagando ingresso.

No quarto dia, peguei dois ônibus pra ir, cheguei ao estádio, o assessor e o craque estavam me esperando. Fiz a entrevista com o assessor me cochichando no ouvido: "só mais duas perguntas, só mais duas!" O craque deu um depoimento de merda, que não acrescentou em nada, tão acostumado que estava a dar as mesmas entrevistas o dia inteiro.

Peguei dois ônibus para voltar para casa. A princípio, tinha um material glamouroso: uma entrevista com um craque. Mas o craque saiu com um carrão depois de duas horinhas de treino, provavelmente pararia num restaurante para jantar. Eu cheguei em casa depois de duas horas de ônibus e preparei um miojo na minha kitnet.

Algumas semanas depois, uma chuva me pegou desprevinido na rua, sem guarda-chuva. Me encharquei no caminho para uma entrevista com um ex-morador de rua, que ainda era índio caigangui e homossexual. A entrevista durou uma hora. Como acontece nas melhores entrevistas, havia uma empatia mútua no ar, e eu senti que estava fazendo algo muito importante para a vida do meu entrevistado. Não é toda hora que um veículo de imprensa chega até ele e pede para contar, sem cortes, a sua história de vida.

Lembro que nesse dia, saindo da entrevista ensopado, cheguei em casa feliz: tinha descoberto o que eu quero da minha profissão, da minha vida. Não quero viver de glamour. Quero sobreviver, recebendo o que for digno. E contribuir, do jeito que for possível, para algo maior.

O ex-morador de rua faleceu há alguns meses. O jogador que entrevistei está na seleção brasileira.

Eu... Pouca coisa mudou para mim. Apenas a consciência de que o jornalista é um humilde entre os glamourosos, e que não deve haver ilusão sobre isso. Quero sempre ser humilde.

E quero ser pago com dinheiro, não com glamour.