segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Novas editoras de Porto Alegre - material extra

Em função de falta de espaço, a reportagem que foi publicada na Revista da Cultura (como mencionado no post anterior) teve seu tamanho reduzido. Com o fim de valorizar o depoimento dos entrevistados (em especial pela ótima discussão feita entre eles na busca de entender a origem do fenômeno), publico aqui o trecho que ficou faltando. São excelentes reflexões!

"Antes da Dublinense e da Não-Editora, surgiu em 2001 em Porto Alegre a Livros do Mal, uma editora independente que, apesar de hoje não mais existir, tornou-se um farol para as demais. Foi fundada por Daniel Galera, Guilherme Pilla e Daniel Pellizzari. 'Não fomos pioneiros em nada', diz Galera, 'mas de certa forma fomos percussores, junto com a Ciência do Acidente [editora de Joca Reiners Terron], de um movimento de editoras independentes que tentaram, a partir da década de 00, abrir mais espaço a autores tidos como ‘malditos’.' Ele explica o que os motivou, contando que 'havia a sensação de que o cenário da literatura nacional estava um pouco engessado e a percepção de que o sopro renovador estava sendo gestado em grande parte nos fanzines, sites, revistas eletrônicas e blogs, um espaço que na época ainda era desdenhado pelas grandes editoras, pela publicações culturais e pela crítica.'

Mais leitores? Ou mais escritores?

'Não acho que atualmente surjam em Porto Alegre mais editoras do que no passado, ao menos nas últimas décadas', diz Montenegro, da Arquipélago, trazendo o exemplo da L&PM, que surgiu bem pequena na década de 1970 e hoje é uma grande editora. Segundo ele, no Rio Grande do Sul há 'um mercado regional mais disposto a consumir seus próprios escritores'. Haveria então mais leitores? Ele responde: 'é mais provável que o aumento do número de editoras, se for real, reflita um aumento no número de escritores que querem ser publicados'.

Essa foi uma motivação importante para o surgimento da 8Inverso. Cássio Pantaleoni sofria com a dificuldade de publicar seus livros. 'Muitos colegas escritores costumam se queixar do tratamento oportunista dos editores, distribuidores, livreiros e outros integrantes do mercado editorial', conta ele. Pela 8Inverso, saiu seu livro Histórias para quem gosta de contar histórias. Uma exceção, já que Pantaleoni evita misturar as funções de autor e editor.

Machado, da Não, observa que o maior número de editoras faz aumentar a quantidade de autores publicados: 'Esse dado, sim, poderia ser estudado, especialmente numa cidade como a capital gaúcha, onde existe uma grande quantidade de oficinas literárias e pessoas produzindo a literatura.' De fato, em Porto Alegre acontece há mais de 25 anos a célebre Oficina de Criação Literária do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, além do Mestrado em Escrita Criativa da PUC RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

Lu Thomé, sócia da Não Editora, questiona: 'não sei se esse aumento é algo específico do mercado editorial, ou de toda a cultura em geral. Mais pessoas estudam literatura, e escrevem livros, e os livros são editados. Mais pessoas montam bandas de rock. Mais pessoas viram fotógrafos ou conseguem como artistas plásticos expor seus trabalhos.'

Alcázar, da Argonautas, diz que há, sim, várias novas editoras surgindo em Porto Alegre ultimamente, mas não se trata de um fenômeno local. E ele dá explicações para esse boom no mercado editorial: 'acho que o aumento da produção literária e a relativa facilidade para se abrir uma empresa sejam os fatores decisivos.'


Mais fácil? Ou mais difícil?

'Hoje em dia, se você tiver um computador, os programas necessários e o conhecimento, você faz um livro na sala de sua casa', afirma Alcázar. É também o que aponta Faraon: 'hoje a gente pode trabalhar com um capista que vive na Europa, por exemplo, um designer que está no Nordeste do país, fazer a promoção do livro em grande parte através de ações online em todo Brasil e estando aqui no RS compor um produto com um time dos melhores profissionais disponíveis.'

Seria então mais fácil ser editor hoje em dia? Tito Montenegro diz que não: 'A edição, na minha concepção, é separar o que é bom do que não é.' E completa: 'Com uma quantidade cada vez maior de candidatos a autor, separar o joio do trigo está cada vez mais difícil. O resultado é que publica-se muito joio.' É também o que pensa Machado: 'a tecnologia não facilita em nada a tarefa de descobrir um original, fazer a sua preparação e decidir como esse livro será lançado no mercado.'

Faraon ressalta o quanto o poder de investimento ainda é um fator crucial: 'neste sentido é que nós, os pequenos, por mais criativos que sejamos, ainda sentimos muito.' É também o que diz Pantaleoni, que tem uma carreira consolidada na área da Tecnologia da Informação, onde aprendeu bastante sobre gestão de empresas. 'Mas confesso que o negócio editorial impõe desafios bastante distintos', diz. E o que essa experiência de editor altera na vida de um escritor? Pantaleoni finaliza: 'hoje, quando entro em uma livraria ou converso com um distribuidor, compreendo melhor as chances de um título. O ‘romantismo’ com o mercado editorial, em grande medida, cedeu espaço para uma visão mais prática.' O que não o fez mudar a postura em relação ao tratamento dado ao autor: 'Na verdade, está bem mais claro para mim a responsabilidade que temos nas mãos.'"

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