quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A primeira semana na Alemanha

Cheguei em Amsterdam falando um inglês bem básico. Conseguia me virar, não passava necessidade, mas também não conseguia entender tudo que me diziam. Dois dias lá, porém, e eu já sentia evoluções a cada hora. Essa é a tal da imersão, o melhor jeito de aprender um idioma depois que já se sabe o bê-a-bá.

Pois esse meu processo com o inglês foi interrompido na sexta-feira de manhã, 8 de agosto, quando peguei o trem rumo a Meppen, na Alemanha. Depois de duas ou três paradas, metade das pessoas já falavam alemão no meu vagão. Me vi forçado a usar o meu parco conhecimento no idioma, já que tinha de trocar de trem em uma das estações e pra isso precisava de algumas informações. Eis a foto desse momento crítico da viagem, eu esperando o segundo trem:


Deu tudo certo. Cheguei em Meppen perto das 3 horas da tarde. Fui no correio comprar um cartão pra ligar pra Christine, minha anfitriã, mas não usei. Logo ela apareceu.

A Christine é alemã e tem dois filhos adotivos brasileiros: Iládio, de 11 anos, e Benedito, de 9. Ela também recebe na sua casa o menino Saboor, de 7 anos, que levou um tiro no pé na Guerra do Afeganistão e veio morar na Alemanha por um ou dois anos, enquanto faz tratamento médico. A Christine também participa do programa de Aupair, que é o modo pelo qual vim parar na Alemanha: sou o aupair que vai cuidar das crianças da casa até agosto de 2009. Bem, já deu para perceber que é uma família fora do comum. E ainda tem mais, a história de vida dessa família é linda e rara. Outro dia falo mais sobre isso.

Logo após chegar na estação de trem em Meppen, fui com a Christine até o hospital da cidade, porque Saboor havia sofrido uma cirurgia e estava sob cuidados médicos (Iládio e Benedito estavam numa excursão e só voltariam na outra sexta-feira). Chegamos no hospital, fiz o primeiro contato com o menino: meia dúzia de palavras, só pra travar conhecimento um do outro. Estava lá o Saboor e um outro menino afegão.


Depois eu e a Christine fomos para casa, na cidade de Haselünne, guardar minhas coisas. No carro, nos comunicamos numa mistura de português e alemão, já que a Christine também fala português. Conheci o lugar em que vou morar por um ano e gravei um videozinho para registrar como é meu quarto. Ei-lo:



Bem grande e com uma vista linda. Fica no terceiro andar da casa. No primeiro, ou seja, no térreo, fica o consultório da Christine, que é médica naturalista (profissão que só existe na Alemanha) especializada em atendimento de crianças. O segundo andar é a casa, também enorme. Tem uma cozinha, uma sala com mesa de jantar, três quartos, três banheiros, uma sala pro computador e uma peça para as crianças brincarem, fora outras portas que não descobri ainda o que tem atrás. No terceiro andar, tem tudo o que tem no segundo, mas uma porta tranca o acesso a boa parte dos aposentos. Tem muito quarto pra pouca gente, não tem porque usar tudo. Pra mim, sobram o quarto que aparece no vídeo, um banheiro só pra mim, um outro quarto vazio pra receber visitas e um corredor com mesas e cadeiras. Tudo muito prático, bonito, meu mundinho na Alemanha. Em dezembro, a família muda-se para outra casa, que está sendo construída. Essa casa é menor.

Depois que guardei minhas coisas, fomos novamente ao hospital e eu tive mais tempo com Saboor. Dei uma camiseta do Brasil de presente para ele.


De tardezinha, eu e a Christine fomos ao cinema assistir a um filme rodado em Haselünne e Meppen. Desnecessário dizer que não entendi quase nada.

Bem, esse foi meu primeiro dia na Alemanha. No dia seguinte, eu e a Christine fomos de bicicleta até o hospital. Mais ou menos 20km. No caminho, ela me falou um ditado: aprende-se a falar alemão com a barriga, não com a cabeça. Quer dizer, aprende-se por necessidade, não tentando traduzir toda hora palavra por palavra. Vem naturalmente. A Christine me disse que em 3 semanas eu já estaria falando em alemão. Fomos ao hospital, ficamos lá duas horas, depois voltamos.

Os outros dias não preciso contar na ordem cronológica. Tive bastante tempo livre. Conheci familiares e amigos da Christine, todos foram muito simpáticos e receptivos, já que sou o terceiro Aupair da família e eles já estão acostumados com o processo todo. Visitei Saboor algumas vezes no hospital. Numa das visitas, fui sozinho de ônibus, um desafio para mim. Estava contente por ter dado tudo certo. Mal cheguei na ala pediátrica, porém, Saboor olhou pra mim e disse: "Augusto, nach Hause!" ("pra casa!"). Segundo ele, a Christine tinha ligado e dito que eu podia voltar para casa. Fiquei na dúvida se Saboor dizia a verdade, mal o conhecia. Fiz ele ligar pra Christine. Era verdade. Ou meia verdade: Saboor estava contente brincando com as outras crianças e não queria um adulto por perto. Ele queria que eu fosse "nach Hause" e o deixasse só com os outros meninos.

Decidi ficar. Saboor olhava para mim e repetia que eu podia ir pra casa. Eu disse pra ele que não estava mais agora no hospital como Aupair, não estava lá por causa dele: eu ficava lá porque queria brincar com as outras crianças. Foi engraçado. Eheheheh. Todos esses dias no hospital foram engraçados. Minhas primeiras frases em alemão foram ditas para crianças, e muitas dessas frases foram para explicar as regras de determinado jogo ou brincadeira. Saboor usa cadeira de rodas. Ensinei-o a também a olhar para os dois lados no corredor para ver se vinha algum carro nos cruzamentos. Disse a ele que no hospital pessoas são carros. Cheguei até a ensinar o menino a estacionar a cadeira de rodas entre duas vagas.

No fim, fiquei amigo das outras crianças.


Nessa semana, tudo era novo para mim. Cuidar de criança, falar alemão, escutar alemão, a arquitetura das cidades, a cultura… Muita coisa eu já conhecia pelas aulas de alemão no Goethe-Institut em Porto Alegre, mas mesmo assim é diferente falar dum lugar e estar nesse lugar. Não que se fique maravilhado, apenas se percebe as diferenças, às vezes muito sutis.

Bem, é melhor mostrar do que falar. Eis fotos da cidade de Meppen, onde fica o hospital:



E agora fotos da cidade de Haselünne, onde estou morando.


Aqui há muitas cidades pequenas uma ao lado da outra. A impressão é que se trata de uma cidade só. E é tudo muito organizado, limpo, bem-cuidado. Há muita natureza, florestas ao redor das cidades, rios... Os motoristas dão prioridade para ciclistas e pedestres, e quase todas as ruas têm um caminho só para bicicletas. A consciência ecológica aqui rende um post a parte.

No mais, as pequenas aventuras do dia-a-dia são muito gratificantes: puxar um assunto com a atendente da livraria, pedir uma comida no restaurante, abrir uma conta no banco. E nada mais gratificante que tomar uma cerveja e saber que tem muita gente torcendo por mim no Brasil.


Estava ansioso para conhecer Iládio e Benedito e, embora estivesse bem calmo, não pude evitar o estranhamento, pois a mente não consegue acreditar que está num lugar mais de 8 mil quilômetros distante de onde ela costuma transitar. Toda noite eu sonhava que estava de volta ao Brasil e tinha que voltar correndo pra Alemanha, pois a Christine precisava de mim. Uma noite até tive um grande pesadelo, acordei mal. Como já esperava tudo isso, levei na boa.

Demorou um pouco, mas a primeira semana passou, e então os outros meninos chegaram da excursão. Agora sim, o trabalho começava para valer.

9 comentários:

facesdarte.blogspot.com disse...

August, que medo das portas que tu ainda não sabes o que têm por trás. Quantos aupaires não devem estar trancados lá atrás hehehe

adorei saber que tem um quarto só pra ti receber visitas. to indo pra aí.

E achei o Saboor um amor. Manda um beijo pra ele da tia Thaís (só tu mesmo, tio chato, ficar azarando as crianças que queriam brincar sozinhas).

Não esquece de postar sobre a história linda e rara da família! (ah, também conta sobre as comidas -eu tenho cabeça de gorda mesmo!)

Abraços saudosos

Leonardo disse...

Cara, muito legal teu relato, mais uma vez.
Taí uma das coisas que mais a gente faz-se notar que está em outro país: o momento de acordar. Porque a gente já fez tantas vezes isso em "casa" que, quando tu tá viajando, demora a cair a ficha que tu tá dormindo em um lugar diferente, com hábitos diferentes, e, principalmente, tendo que falar uma língua diferente.

Abraço!

Gustavo H. Hennemann disse...

Home. Fiquei emocionado com esse post. Deu vontade de chegar aí pra tomar uma cerveja. A cidade parece uma maquete de tão limpinha e bonita! Tomara que a gente se encontre por aí.
Suerte compañero.
Prost!

Unknown disse...

Bah Muito massa a história deles augusto. Tu já tinha me comentado e me explicado, mas com o teu relado, como falou o gustavo,fico emocionante.

Ahh a BENDITA cerveja apareceu. eheheeeh espero que ela apareça mais ahahahaha

Grande abraço.. augusto
estamos contigo!

Paulo Roberto disse...

Augusto!
Com este relato, viajei pela segunda vez ao Afeganistão. Agora, com a companhia do teu amigo Saboor(apresentado por ti), visitei o meu amigo Yassin (apresentado pelo Atiq Rahimi).

Abraço.

Cami´s disse...

marvilhoso e emocionante teu relato, Augusto!

beijoo

Unknown disse...

Na 1ª foto, se tu der umas piscadas, fica igual ao velho... rsrsrsrsrs!!!

(Nem) Imagino as angústias pelas quais tu passou aí, ou síndromes das 1ªs vezes. Mas confio que tu tem estrutura pra lidar com isso. Ler teu texto só me confirmou as certezas. Aproveita bem a viagem (leia-se: mulher, mulher, mulher!!!) (brincadeira)

Abração!

Unknown disse...

Bah, que tosca! Você acredita que estava lendo o outro blog que você tem?!rsrsrsrs
Adorei as fotos, gostei muito das crianças do hospital (pena que estavam lá...).
Já sei um presente que quero (bota escalada!rsrsrsrs): gostei muito, aliás, ameeeeeeei aquelas casinhas que estão no parapeito (é assim que se escreve?)da tua janela. Dá uma pra mim?

Bjos à família e para você também!!!!!!!!!! :)

Unknown disse...

QUEREMOS MAIS FOTOS! QUEREMOS MAIS COMENTÁRIOS! QUEREMOS ATUALIZAÇÕES! rsrsrsrsrsrs