domingo, 21 de dezembro de 2008

Criança esperança

Crianças são bichos espertos. A gente se surpreende com elas e diz: "bah, essa geração é realmente mais inteligente que a nossa." Aconteceu comigo, quando eu era menino. E hoje sou tão burro quanto os que me antecederam. É assim mesmo. Pois capacidade de aprender depende de faixa etária, não de geração.

Veja o meu caso e o caso dos meninos da casa em que estou. Antes de chegar na Alemanha, estudei alemão dois anos e meio. Estou aqui há pouco mais de quatro meses, e dominar o alemão ainda parece uma tarefa distante, muito distante. Veja o caso agora de Benedito, 9 anos, e Iládio, 11, adotados há cindo anos por Christine, minha anfitriã alemã. Eles dominam o alemão perfeitamente.

Ok, alguém pode argumentar que eles estão aqui há mais tempo que eu. Acontece que eles dominam o alemão já faz anos, eu é que cheguei tarde para notar. E temos ainda a situação do Saboor. Afegão, 7 anos de idade, ele veio para cá em outubro de 2007 sem conhecer uma palavra do idioma. Depois de seis meses na Alemanha, ele já falava tudo. Se for comparar comigo, é covardia. Ele não precisou fazer curso no Goethe Institut nem nada.

Não moro, porém, numa casa de superdotados, e a prova disso é que sexta-feira conheci uma família inglesa em situação parecida. Eles moram em Haselünne há dois anos. Três crianças. Oliver, 8 anos, fala alemão tão bem que pensei que fosse daqui. Quando soube que era inglês, quis treinar com ele. O curioso é que a mãe de Oliver obviamente também está aqui há dois anos e não sabe praticamente nada de alemão.

O lado oposto dessa efervescência infantil é que ao aprender o segundo idioma eles esquecem o primeiro. Oliver é exceção, porque o fato de os pais não falaram alemão faz com que ele forçosamente use duas línguas. Para outras crianças, porém, o segundo idioma acaba se tornando gradativamente o primeiro. Saboor não fala mais persa. Iládio e Benedito falam português, mas o vocabulário básico, e pronunciado com sotaque alemão (dá para se dizer que eles falam o português que a Christine fala). Nesse aspecto, eu fico em vantagem pois não esqueci a língua materna*. Se bem que também tenho esquecido a segunda língua, o inglês. Leio e escuto bem, mas na hora de falar me atrapalho todo, porque vem à cabeça a estrutura gramatical alemã, onde um dos verbos da frase vai para o fim. De tal forma que hoje acontece o que me parecia impossível há alguns meses: meu alemão é melhor que meu inglês. E meu alemão, apesar dos elogios que escuto (dá para notar que é um elogio, isso eu entendo), nem é tão bom assim.

Fazer o quê. Não sou mais criança para saber tudo...

***

* Aqui uma pequena observação derivada do post anterior. O amigo Beto Frizero me lembrou que a ponta da cauda do escorpião chama-se ferrão. Então não é correto eu dizer que não estou esquecendo o idioma materno. Na verdade, quando falo com a mãe no telefone, de vez em quando me dá um branco para algumas palavras. Ou mesmo eu falo usando a estrutura gramatical alemã, pondo o segundo verbo no fim. Ok, agora você já sabe. Mas não conte para as crianças!

Um comentário:

Marcelo Cordeiro disse...

Bah, Augusto,

Esse negócio da língua, eu acho, é uma das coisas mais difíceis quando se está em intercâmbio. Eu sempre fui super confiante no meu espanhol, pois já tinha estudado muito tempo.Agora chego no chile e vejo que muita coisa não entendo e não sei falar. Mas se aprende. Ainda quando é uma língua latina, muito mais fácil.

O teu sofrimento deve ser maior....

Abração, amigo,