sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cinco dias em Assunção: dia 3

Ontem publiquei aqui o primeiro e o segundo dias da reportagem Cinco dias em Assunção, sobre a cultura e a arte paraguaia. Segue abaixo o terceiro dia.

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Martes, 22 de Febrero de 201

Passam das 13h. Embora curta, a caminhada até o prédio no fim da rua Chile, somada ao calor, já é suficiente para criar uma camada de suor sobre a pele. Onde antigamente funcionava o Congresso Nacional, agora está o Centro Cultural de la República El Cabildo. Logo na entrada, pode-se pegar um exemplar da revista 1811, uma história em quadrinhos feita pelos paraguaios Robin Wood e Roberto Goiriz. A publicação da HQ é uma das formas de comemorar o Bicentenário da Independência Paraguaia.

Assim como muitas instituições culturais do país, o Centro Cultural de la República foi criado apenas recentemente: em 14 de maio de 2004. A atenção dada à arte nacional ainda é um fato novo e tem ligação com as comemorações do Bicentenário. “Há um esforço comum, neste momento sobretudo, de buscar uma identidade e assumi-la”, diz Luis Vera, chefe de imprensa do centro cultural. Ainda assim, há uma carência de recursos para as áreas de museologia e restauração arquitetônica: no centro da cidade, muitos prédios históricos estão em situação de abandono, e algumas exposições, mesmo feitas em espaços bancados pelo governo federal, ainda são precárias na sua forma de exibição e conservação. Nesse cenário, a arte sobrevive como pode.

No segundo andar do Centro Cultural, há um espaço para homenagear Agustín Pío Barrios, paraguaio que ficou famoso tocando violão clássico. Barrios, também conhecido como Mangoré, construiu sua carreira até metade do século 19, indo na contramão da música europeia clássica da época, ao compor inspirado na música latinoamericana. Em meados dos anos 1990, o músico australiano John Williams gravou o discoThe Great Paraguayan - From The Jungles of Paraguay, no qual tocava músicas de Barrios, tornando-o reconhecido internacionalmente.

Uma pequena sala do Centro Cultural tem a missão de reunir toda a história do cinema paraguaio, desde as produções audiovisuais mais recentes – como o premiado Hamaca Paraguaya – até filmes antigos. O cinema nacional não tem ainda uma tradição, mas é a área que mais tem destaque atualmente nas artes paraguaias. “O nosso cinema é pequeno e incipiente, mas tem muita gente fazendo”, diz Vera.

Na sala ao lado, aparecem em destaque diversos nomes da música popular, como: Félix Pérez Cardozo, “el Padre del Arpa Paraguaya”; Luis Alberto Del Parana Y Los Paraguayos, que fizeram carreira internacional e inclusive aparecem em uma foto com os Beatles, em 1963; e José Asunción Flores, criador da guarânia, considerada “o” ritmo do Paraguai, ao lado da polca.

Meio da tarde. Após uma pausa para o almoço, a visita ao Centro Cultural reserva agora uma surpresa. Um corredor, entre o segundo andar e o térreo, homenageia artistas que tiveram destaque em áreas como dança, literatura, teatro, música e poesia. No fim desse corredor, um espaço celebra a vida e a obra do músico Juan Carlos Moreno Gonzáles. Algumas mulheres estão sentadas nessa sala, conversando – fica-se sabendo em seguida que são mães. De uma porta ao lado delas, vem o som de um coral infantil. Ao entrar, descobre-se dezenas de crianças em círculo, cantando afinadas, em coro, Recuerdos de Ypacarai, a guarânia mais conhecida do Paraguai. Elas estão ensaiando para uma apresentação em maio, nas comemorações do Bicentenário. O coral foi ideia de Margarita Morselli, diretora geral do Centro Cultural. Participam 80 crianças, oriundas de Assunção e também do interior do país.

Anoitece. Agora são 21h. No Teatro Municipal Ignacio A. Pane, cinco músicos, com trabalhos em vertentes diferentes da música paraguaia, reúnem-se para fazer o espetáculo “Cantautores”. Como são todos amigos, a apresentação é leve, simples e carregada de cultura. Cada músico senta-se em uma banqueta. Eles anunciam uns aos outros e, entre uma música e outra, conversam, discutem questões da identidade paraguaia, apresentam ritmos e histórias. Destaca-se Hugo Ferreira, com suas canções de protesto político, e Victor Riveros, que canta em guarani, língua indígena falada no interior do país. Riveros, aliás, comenta que gostaria que houvesse um resgate do guarani também em meio urbano, o que faz lembrar uma fala de Veras de poucas horas antes: “não se vê diretamente a influência guarani na arte paraguaia, mas ela está sempre ali, por trás de toda criação.”

[continua]

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