domingo, 24 de abril de 2011

Cinco dias em Assunção: dia 5

Publico agora a última parte da reportagem Cinco dias em Assunção, sobre a cultura paraguaia. Quem não leu desde o início, pode começar a leitura por aqui.

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Jueves, 24 de Febrero de 2011


9h30 da manhã. Chove no último dia em Assunção. O octagenário senhor Ciriaco Lambaré Blanco, mais conhecido como Chiquitín,está sentado sob a soleira sua casa, que fica dentro do Teatro Municipal. Ele olha a água caindo lá fora. Há 54 anos Chiquitín vive ali, atrás do palco, no lugar onde antigamente ficavam os camarins. O espaço onde mora parece não ter sido beneficiado com a recente reforma do prédio.

A construção é de 1844, mas só em 4 de novembro de 1855 foi inaugurado o teatro. Quase um século depois, em 1941, o jovem Chiquitín começou a trabalhar na prefeitura. Passaram-se alguns anos, até ele ser deslocado para o Teatro Municipal. “Vim cuidar da segurança, porque se roubava muito”, diz. Desde então, Chiquitín é o funcionário da prefeitura responsável pelo prédio. Ele também controlou a bilheteria durante muito tempo, e isso fez dele uma figura muito conhecida da cena teatral paraguaia. Ele está sempre lá, todas as noites, recebendo o público, quando o teatro abre as portas.

Chiquitin levanta-se da sua cadeira e vai trancar a porta da rua, alertando sobre a possibilidade de furtos. Pega um molho de chaves e sobe, vagarosamente, em meio às sombras, dois lances de escadas sem iluminação. Logo está de frente para as cadeiras da plateia. Parado, ele observa uma nova goteira cair bem no meio do palco. Ele lamenta, o teatro fora reformado há pouco: em 15 de agosto de 2006, o prédio foi reentregue aos moradores de Assunção, depois de 13 anos fechado. Diferentemente de outros edifícios históricos da cidade, o Teatro Municipal está muito bem conservado, e essa restauração preservou elementos da arquitetura antiga, sem deixar de fazer as devidas modernizações. Aquela gota realmente não deveria estar ali.

Há cenas em que a mera soma de informações não é suficiente. O fotógrafo Caio Kauffmann, que a tudo acompanha, descreve assim essa subida até o palco: “Chiquitin, de 80 anos, 54 destes vividos sob o teto do Teatro Municipal de Assunção, caminha em passos curtos assoviando uma marchinha pelas entranhas da casa de espetáculos; vencendo degraus órfãos de corrimãos, portas sem maçanetas, de arruinadas dobradiças, cambaleante.” A descrição é literal. E simbólica.

No meio da tarde, as ruas estão agitadas. O táxi deixa o hotel em direção ao aeroporto. No centro, o rio Paraguay é uma imagem sempre presente quando se olha à esquerda. Como não há aterro, parece que cidade e rio se fundem. Essa cena faz lembrar o comentário feito no início da semana pelo assessor de imprensa Luis Vera: “Assunção é uma grande aldeia. Há muitos costumes rurais na cidade. A fronteira entre urbano e rural não é tão clara.” As palavras do maestro Santos também ressoam: “ainda se está construindo a identidade cultural paraguaia.” Será essa futura identidade baseada na mistura entre urbano e rural? Na lembrança das guerras e ditaduras? Na cultura guarani?

Há muitas barreiras a serem transpostas nessa construção, antes de se alcançar novos territórios. Mas o viajante já tem algo precioso para levar de volta para o seu país.

A viagem aproxima-se do final. A cultura paraguaia não cabe numa mala. Talvez não caiba sequer numa reportagem.

Amanhã, no Brasil, será sexta-feira.

FIM

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